II CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE PARA OS POVOS INDÍGENAS

Relatório Final
Coordenador da Comissão Executiva:
Ana Maria Costa
Antonio Ferreira da Silva
Cibele B. L. Verani
Douglas Antonio Rodrigues
Francisco C. Cardoso Campos
Marcos A. Pelegrini
Maria Luiza Garnelo Pereira
Mauro Ribeiro Alves
Mirthes Versiani
Luziânia, 25 a 27 de outubro de 1993.

INTRODUÇÃO

A II Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas ( II CNSPI), parte integrante da IX Conferência Nacional de Saúde, convocada pelo MS e realizada de 25 a 27 de outubro de 1993 em Luziânia – GO, contou com a participação de 200 delegados, indígenas e não indígenas, seguindo a recomendação de que os usuários constituiriam 50% dos delegados do evento. Os delegados foram eleitos no processo de conferência estaduais e regionais, segundo os critérios populacionais de concentração dos povos indígenas no país, nas suas diferentes regiões.

Este processo tentou contemplar o momento histórico do contato interétnico, sendo que muitas entidades indígenas já estão organizadas e participam do processo decisório na política indigenista do país.

Esta II CNS-PI teve como objetivo a definição das diretrizes da Política Nacional de Saúde para os Povos Indígenas e a atualização, em novas bases, das recomendações da

I Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio, em conformidade com o processo de consolidação do Sistema único de Saúde e incorporação no mesmo de um sub-sistema diferenciado de saúde para os povos indígenas.

DOS PRINCÍPIOS GERAIS

Entende-se que a garantia dos direitos indígenas à preservação de suas terras e recursos naturais é fundamental, pois se reconhece que delas provêm seu alimento, remédio, bem estar e a alegria de viver.

A Constituição da República Federativa do Brasil define a saúde como direito de cidadania, ‘direito de todos e dever do Estado’, a ser garantido mediante políticas econômicas e sociais. Determina, também, que as ações e serviços de saúde deverão ser implementados por um sistema único.

Para que sejam garantidas as diretrizes de descentralização, universalização, equidade e participação comunitária, como princípios do SUS, e para que os povos indígenas do país sejam atendidos de acordo com suas especificidades sócio-culturais e sanitárias, é imperativo que se definam políticas públicas setoriais também específicas.

O caráter de universalidade do sistema somente pode ser viabilizado através de enfoque diferenciado, tratando adequadamente povos diferentes.

O caráter descentralizado do SUS, conformado pelo processo de municipalização, deve ser concebido, no caso das populações indígenas, de acordo com os preceitos constitucionais relativos aos direitos indígenas, que definem a responsabilidade indelegável da União na sua assistência. Assim, a responsabilidade da saúde indígena deve ser do nível federal.

Considera-se que o processo saúde-doença dos povos indígenas é resultado de determinantes sócio-econômicos e culturais, como integridade territorial, a preservação do meio ambiente, preservação dos sistemas médicos tradicionais – da cultura como um todo – também da autodeterminação política e não apenas da assistência médico-sanitária.

É fundamental contemplar na formação de recursos humanos pontos que levem ao conhecimento e respeito às medicinas tradicionais buscando estratégias de mudança na postura etnocêntrica e estritamente tecnológica dos profissionais de saúde em todos os níveis.

A definição do orçamento para saúde indígena deve ser precedida de um estudo nas necessidades de cada grupo indígena.

MODELO ASSISTENCIAL: O SUB-SISTEMA DE SAÚDE PARA OS POVOS INDÍGENAS

PRINCÍPIOS:

A responsabilidade pela atenção à saúde indígena é atribuição constitucional do Governo Federal, não estando excluídas as contribuições complementares de estados, municípios, e outras instituições governamentais e não-governamentais no custeio e execução das ações.

O órgão responsável pela saúde indígena, vinculado ao Ministério da Saúde, deve ter níveis de gerencia nacional, regional e distrital, e autonomia de gestão administrativa, orçamentária e financeira.

O sub-sistema de atenção à saúde indígena deve, obrigatoriamente, levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura indígena.

O modelo de atenção à saúde indígena deve se pautar por uma bordagem diferenciada e global, contemplando a assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras e integração institucional.

A descentralização é fundamental para garantir a tomada de decisão com participação indígena.

A população indígena deve ter acesso garantido ao SUS a nível local, regional e de centros especializados, de acordo com suas necessidades, compreendendo a atenção primária, secundária e terciária à saúde.

DIRETRIZES:

O modelo assistencial para atenção à saúde indígena tem como base o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI).

Os DSEI serão formados com base em projeto elaborado junto com as comunidades, sob a supervisão dos Núcleos Interestitucionais de Saúde Indígenas (NISI) e com consultores técnicos, se necessário, definirão as atribuições de cada entidade envolvida.

O Distrito Sanitário Especial Indígena deve ser caracterizado por:

Base territorial definida por critérios étnicos, geográficos, epidemiológicos e de acesso aos serviços;

controle social da rede distrital exercido através dos conselhos Distritais de Saúde Indígena (CDSI), de composição paritária e de caráter deliberativo das ações de saúde em sua área de abrangência;

existência de uma rede de serviços, com equipes de saúde, adequadamente capacitadas para o atendimento aos povos indígenas, com suprimento regular dos insumos necessários à execução das ações, bem como meios de transporte e de comunicação para as equipes de saúde;

autonomia administrativa e financeira através do repasse de recursos do governo federal diretamente para os distritos, mediante apresentação de projetos, aprovados nos Conselhos Distritais;

Ter comando único técnico e/ou executivo, com gerente designado pelo Conselho Distrital.

As Casas do Índios são componentes indissociáveis do Distrito Sanitário Especial Indígena e/ou gerencia regional, sendo ligadas aos seus conselhos E/ou NISI. O custeio das ações e recuperação das casas do Índio deve ficar garantido no planejamento e programação dos DSEI e/ou NISI.

As gerencias regionais do Sistema de Atenção à Saúde Indígena devem ser indicadas pelos NISI e/ou CDSI.

O MS deve estabelecer quotas específicas de AIH (Autorização de Internação Hospitalar) para internação de pacientes indígenas na rede do SUS. A distribuição deve obedecer as necessidades epidemiológica locais e ser de pleno conhecimento das comunidades indígenas, estabelecendo formas de controle da emissão das mesmas pelos NISI e/ou DSEI.

Assegurar :

meios de transporte dos doentes que necessitem de atendimento fora das aldeias , assim como seu retorno imediato após o término do tratamento (referência E contra – referência) ;

Condições de comunicações entre as áreas indígenas, centros de referência (FNS/FUNAI) e Casas do Índio, com instalação de radiofonias necessárias;

meios para o paciente indígena ter acompanhante preferencialmente indígena, quando receber atendimento de saúde fora de sua comunidade

Fazer cumprir a lei 8666 sobre insenção de licitação nos casos de emergência nas áreas indígenas conforme o artigo 24, capítulo II .

IV. CONTROLE DE INGESTÃO E PARTICIPAÇÃO INDÍGENA

EM RELAÇÃO À COMISSÃO INTERSETORIAL DE SAÚDE DO ÍNDIO (CISI )

Ampliar a representação indígena na CISI para seis representantes indígenas, sendo um por Macro - Regional (Amazônia Ocidental, Amazônia Oriental, Nordeste, leste, sul – sudeste E Centro – Oeste ), devendo um deles ser o representante da CISI no Conselho Nacional de Saúde. O representante indígena no Conselho nacional de Saúde teria entre suas atribuições, a de defender as propostas da CISI naquele órgão.

As políticas e programações deliberadas nos CDSI e/ou NISI serão norteadas por recomendações da Comissão Intersetorial De Saúde do Índio ( CISI ), as quais devem ser aprovadas pelo Conselho nacional de Saúde que é o órgão máximo de deliberação do Sistema Único de Saúde.

EM RELAÇÃO AOS NÚCLEOS INTERISTITUCIONAIS DE SAÚDE INDÍGENA ( NISI )

Garantir a imediata implantação de todos os NISI no país, com representação paritária entre usuários e prestadores de serviços de saúde.

Os NISI, fazendo uso de seu caráter deliberativo, devem ter entre suas atribuições planejar e avaliar as políticas de recursos humanos e orçamentários para a saúde indígena no estado e/ou região, visando particularmente a implementação dos DSEI, seguindo as determinações da portaria FNS 540/93. A execução das ações deliberadas e planejadas no NISI ficara a cargo das entidades prestadoras de serviços de saúde que atuam na região e/ou estado.

Que a FUNAI participe e reconheça oficialmente, através de portaria, a existência dos NISI.

Os recursos necessários à atenção à saúde dos povos indígenas devem ser assegurados até que os NISI E DSEI sejam implantados.

Que os NISI criem mecanismos de divulgação das resoluções da CISI para facilitar o acesso das comunidades indígenas às mesmas.

V. RECURSOS HUMANOS : FORMAÇÃO, SELEÇÃO E PERSPECTIVAS DE CARREIRA DOS PROFISSIONAAIS DE SAÚDE INDÍGENA NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS

DIRETRIZES :

DA FORMAÇÃO:

Os Recursos Humanos deverão ser capacitados através de programações aprovadas nos NISI e/ou CDSI.

Garantir a reciclagem periódica de todos os trabalhadores das instituições que atuam na saúde indígena.

Que os conteúdos das referidas reciclagens e treinamentos incluam temas ligados a relações humanas e éticas profissional, no exercício contra o preconceito e a discriminação.

O treinamento básico e reciclagem para profissionais de saúde em áreas indígenas deverão compreender conhecimentos de lingüística, cultura e técnicos específicos de atenção à saúde de cada etnia.

Que os programas de capacitação e reciclagem sejam regionalizados contemplando as diferentes realidades.

Que as universidades e centros formadores de recursos humanos para saúde ministrem cursos de antropologia para pessoal de nível superior, médio e elementar.

Que a formação continuada para a assistência à saúde indígena se dê em nível de todos os serviços envolvidos na atenção à saúde do índio, incluindo profissionais de secretarias estaduais E municipais, além de FNS E FUNAI.

Que sejam estabelecidos mecanismos que possibilitem a médio prazo o ingresso de índios que tenham o segundo grau completo, em cursos de saúde de nível universitário, dispensando a obrigatoriedade do exame vestibular.

Que as universidades incluam as áreas indígenas e Casas do Índio como campo de estágio, com a devida supervisão de professores aos estagiários, desde que haja interesse por parte dos grupos indígenas previamente consultados, e acompanhamento pelo NISI. Só deverão ser permitidas atividades deste teor mediante a contraprestação de serviços desejados pelas comunidades.

Que a formação universitária, na área de saúde, seja prioritariamente voltada para a prevenção.

Assegurar recursos para participação dos técnicos de nível médio e superior das instituições prestadoras de serviços de saúde em congressos, seminários e cursos de interesse de saúde pública.

DA CONTRATAÇÃO:

Deverá ser garantida pelo MS a contratação de recursos humanos para a atenção À saúde do índio.

Criação pelo NISI de uma comissão paritária, composta por profissionais e representantes indígenas, para a avaliação da situação de saúde, com o levantamento dos recursos humanos existentes nas instituições envolvidas na atenção à saúde indígena e da necessidade de contratação de pessoal para os Distritos Sanitários.

A concentração de recursos humanos deve respeitar o principio de descentralização, inclusive na definição do quadro de pessoal para cada DSEI. O Conselho Distrital e/ ou NISI estabelecerá princípios e critérios, ouvidas as comunidades indígenas. As instâncias regionais descentralizadas poderão realizar concursos unificados.

As vagas deverão Ter sua lotação no DSEI; caso o profissional seja remanejado, as vagas permanecerão no DSEI. Não se permitirá cessão de profissionais para outras instituições. Deverá se investir na permanência dos profissionais em cada área indígena possibilitando o conhecimento maior da cultura do grupo.

A seleção dos profissionais de saúde será feita preferencialmente através de concursos públicos com os critérios abaixo:

Prova escrita ( conhecimento );

Entrevista ( perfil );

Estágio probatório ( habilidade ) no período de no mínimo três ( 3 ) meses .

A contratação será sob regime jurídico único garantido os direitos trabalhistas.

Estabelecer um Plano de Carreira como forma de motivar os profissionais de saúde trabalham em comunidades indígenas.

Deverá se privilegiar a dedicação exclusiva dos profissionais de saúde, acompanhada de remuneração justa.

Deverá ser garantida a presença de antropólogos e indigenistas na composição das equipes multidisciplinares de saúde que contribuam para a convivência interétinica.

O processo seletivo para a contratação de profissionais de saúde aberto para as áreas indígenas do Amazonas e Roraima deverá se estender para outras áreas indígenas onde houver necessidade.

Liberar técnicos da área estadual, da FNS e FUNAI no sentido de auxiliar na implantação da odontologia sanitária nas áreas indígenas colaborando no treinamento de profissionais.

Que a FNS e FUNAI, em colaboração com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde aumentem os recursos humanos nas suas unidades específicas para viabilizar o atendimento às populações indígenas.

DO PERFIL DO PROFISSIONAL:

Que os profissionais tenham motivação e habilidade para enfrentar as especiais situações, encontradas nas áreas indígenas, e tenham facilidade de adaptação às condições de vida dos Povos Indígenas e aceitação da cultura tradicional local.

Ter uma ação participativa junto à comunidade, sem interferir nas discussões e decisões políticas internas das mesmas.

Que o profissional dê continuidade ao programa de trabalho elaborado para a área, sem se preocupar apenas em pesquisar os costumes dos povos.

Que tenha uma visão holística sobre saúde e doença.

Deve ser dada preferência a profissionais com experiência mínima de dois anos em sua área de conhecimento.

DA CONDIÇÃO DE TRABALHO:

Serão garantidos, no trabalho de campo, incentivos e recursos para deslocamentos.

Que sejam garantidas condições de moradia, alimentação, trabalho e segurança para a permanência dos profissionais dos DSEI em área e sua adaptação à situação de campo.

VI. AGENTES INDÍGENAS DE SAÚDE

PRINCÍPIOS:

Reconhecendo a importância e a necessidade dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS), os participantes da II Conferência Nacional de Saúde do Índio recomendam:

Que o Ministério da Saúde (MS) reconheça a categoria profissional de Agente Indígena de Saúde, regularizando-a e inserindo-a no sub-sistema diferenciado desatenção à saúde do índio.

O AIS deve ser um profissional bem capacitado nas questões técnicas e deve cuidar da promoção social da comunidade, tendo consciência de sua responsabilidade no lidar com a vida humana e servindo como elemento de reforço e autonomia dos povos indígenas.

Devem ser contemplados níveis diferenciados de competência para os AIS adequados às capacidades e interesses individuais, bem como aos diferentes graus de contato das comunidades.

A formação deve ser um processo de complexidade crescente, com reciclagem e supervisão permanentes, realizado nas comunidades e que contemple as abordagens das medicinas tradicionais, ocidental e outras formas de tratamento.

DAS DIRETRIZES:

A indicação, seleção e avaliação do desempenho dos AIS devem ser feitas pela comunidade indígena segundo seus próprios critérios, conforme a realidade local, associados aos dos NISI e/ou DSEI. Dispensa-se aos AIS a obrigatoriedade da escolaridade formal.

O nível de resolutividade das ações dos AIS deve ser definido pelos NISI e/ou DSEI de acordo com as realidades locais.

A formação, reciclagem e supervisão técnica dos AIS devem ser garantidos pelos NISI e/ou DSEI de acordo com a realidade local.

A formação dos AIS deve contemplar conteúdo e metodologia definidos pelos NISI e/ou DSEI de acordo com o perfil epidemiológico, organização sociocultural da comunidade E a sua medicina tradicional, privilegiando atividades de promoção à saúde, preventivas E curativas. Deve, ainda, ser viabilizada e avaliada pelos centros formadores e/ou demais entidades prestadoras de serviços de saúde, conforme deliberações anteriormente referidas.

Deve ser contemplada a formação específica de agentes de saúde bucal.

Os NISI e/ou DSEI devem encaminhar à CISI propostas para a legalização da formação dos AIS, conforme diretrizes elaboradas pela última e pela Comissão de Educação Indígena do MEC.

Os recursos necessários para o custeio das ações de capacitação e remuneração dos AIS devem vir do orçamento do MS. A contratação destes agentes deve ser assumida de imediato pela FNS

Para evitar paralelismo de ações, a contratação dos AIS, seja qual for o órgão contratante, deve ser referendada pelos conselhos distritais e/ou NISI. Até que os DSEI sejam formados, os NISI devem assumir este papel.

As contratações dos AIS devem ser vinculadas a cada comunidade e não a índios individualmente.

Que seja garantido junto ao Ministério da Educação e Desporto (MEC) um programa alternativo de educação escolar nas áreas indígenas, que possibilite o acesso de indígenas em cursos médio e universitário nas áreas de saúde, de forma a favorecer o processo de auto-gestão.

VII. SISTEMAS TRADICIONAIS DE SAÚDE

PRINCÍPIOS:

Respeitar a medicina tradicional na sua totalidade, na figura do pajé, outros especialistas, e todas as suas práticas.

Assegurar aos povos indígenas o direito intelectual sobre suas práticas e conhecimentos médicos.

DIRETRIZES:

Criar um grupo paritário de trabalho para estudo e acompanhamento da coexistência dos dois sistemas médicos, dentro de cada distrito Sanitário, para adequar as ações de saúde à cultura de cada povo.

Promover a inclusão de temas de saúde nos cursos realizados nas escolas indígenas, como educação para a saúde e incentivando a valorização da medicina tradicional.

Estimular o cultivo de plantas medicinais tradicionais e introdução de outras espécies de eficácia reconhecida.

Apoiar iniciativas para divulgação das medicinas tradicionais.

Assegurar, dentro dos hospitais, o direito dos índios ao uso de seus costumes e terapêuticas tradicionais.

Incentivar o resgate da memória dos sistemas tradicionais de saúde.

Recomendar que as ações de saúde não se limitem apenas ao atendimento médico e incluam troca e repasse de conhecimentos básicos para a comunidade.

VIII. O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO E PESQUISA

PRINCÍPIOS:

As universidades e centros de pesquisa devem ter papel importante na atenção à saúde do índio.

O modelo de DSEI é a forma organizativa adequada às especificidades sanitárias e culturais dos povos indígenas, enquanto que as instituições de ensino e pesquisa são espaços de reflexão crítica permanente e deverão voltar sua atenção para as políticas de assistência à saúde das populações indígenas.

Todas as pesquisas em áreas indígenas devem ter a concordância das comunidades.

DIRETRIZES:

Garantir o incentivo à formação de RH índios, facilitando o acesso a cursos de níveis técnicos e superior.

As instituições de ensino e pesquisa devem participar na estruturação das instâncias interinstitucionais de gestão do subsistema de atenção à saúde do índio, nos NISI/DSEI, contribuindo na sua constituição e participando ativamente com um de seus membros, sempre que possível.

A articulação das instituições de ensino e pesquisa com os NISI/CDSI, deverá ocorrer da seguinte forma:

assessoramento técnico aos NISI/CDSI quando solicitado;

atendimento às solicitações dos NISI/CDSI no tocante à capacitação de RH, pesquisa e extensão, levando em consideração suas condições logísticas e financeiras;

contribuição na elaboração de propostas metodológicas e de conteúdos programáticos para formação de RH indígenas e não indígenas, junto aos NISI/CDSI;

contribuição para a reafirmação do princípio de legitimidade das organizações indígenas, através da celebração de convênios de cooperação técnica entre Universidades/Centros de Pesquisa e organizações indígenas.

Promover trocas de conhecimentos e experiências entre as Universidades/Centros de Pesquisa envolvidas com a questão indígena e entre estas e as comunidades indígenas.

O financiamento dos recursos humanos e técnicos para projetos e atividades implementadas pelas universidades, instituições de ensino e pesquisa e demais formadores, direcionados para a saúde das populações indígenas, deverá ser proporcionado pelo SUS, através do ministério da Saúde, por meio da transferência regular e contínua de recursos financeiros específicos para este fim, garantindo a continuidade de programas já existentes e fomentando sua ampliação pelas diversas regiões do país.

DA PESQUISA:

As pesquisas realizadas em saúde indígena devem ser associadas às ações de saúde nas áreas envolvidas. As instituições de pesquisa devem ter o compromisso de propor ao NISI/CDSI medidas que se fizerem necessárias a partir dos resultados obtidos.

Acompanhar as medidas necessárias para garantir o direito à propriedade intelectual das populações indígenas, relativas ao saber tradicional sobre recursos naturais.

DIRETRIZES:

Constituição de núcleos ou grupos de caráter interdisciplinar nas instituições de ensino e pesquisa, com os seguintes objetivos:

elaborar, produzir e transmitir conhecimentos na área de saúde do índio;

contribuir na formulação de políticas e modelos de atenção a saúde indígena

implementar projetos assistenciais;

prestar assessoria e cooperação técnica às instituições responsáveis pela atenção à saúde do índio e às organizações indígenas;

desenvolver avaliações de modelos e projetos de assistência à saúde, bem como estudo E pesquisa auxiliares ao desenvolvimento das ações de saúde.

IX. MOÇÕES APROVADAS NA PLENARIA FINAL II CNS-PI

A II CNS-PI repudia os crimes contra indígenas, reconhecendo a violência como causa importante de mortalidade e morbidade, tendo como exemplo o recente massacre de índios Yanomami. Condena a ação de políticos que incentivam a invasão e atividades ilegais em territórios indígenas e de militares que praticam comércio ilegal de ouro, assédio sexual e desrespeito à cultura das comunidades.

Devido às características especiais, epidemiológicas e culturais da saúde das populações indígenas e à situação precária da assistência a esses povos, os participantes da II CNS-PI conclamam o Sr. Ministro de Estado da Saúde a envidar esforços no sentido de priorizar política e financeiramente a saúde do índio.

A Plenária da II CNS-PI realizada em Luziânia – GO, no período de 25 a 27 de outubro de 1993, vem apoiar e acatar o encaminhamento da seguinte moção: que na contratação e formação dos quadros profissionais para o atendimento à saúde nas áreas indígenas seja dada preferência às pessoas indígenas, se possível pertencentes às etnias junto às quais irão atuar.

Os participantes da II CNS-PI vêm de público repudiar a medida autoritária e discriminatória do Ministro de Estado da Saúde, Sr. Henrique Santillo, de impedir a participação nesta Conferência de observadores eleitos nos estados e de recomendar inclusive o corte de metade do número de delegados eleitos, prejudicando a representatividade dos estados e pondo em risco a própria viabilidade da Conferência.

Os participantes da II CNS-PI repudiam a onda de corrupção que grassa no Congresso Nacional, pedem a cassação dos mandatos e a punição imediata de deputados e senadores corruptos, além dos servidores envolvidos, E a prisão dos corruptores.

Os participantes de II CNS-PI repudiam a atitude arbitrária do Sr. Ministro de Estado da Saúde, de encaminhar proposta modificada do GERAS de reestruturação administrativa do Ministério da Saúde, ao Sr. Presidente da República e Secretaria da Administração Federal, sem a prévia aprovação do Conselho Nacional de Saúde.

Que a CISI assuma, a partir de 1994, as funções de Comissão Organizadora do II Fórum Nacional de Saúde Indígena, a realizar-se em fevereiro de 1995.

Que a CISI recomende o cumprimento dos Decretos Presidenciais número 24, 25 E 26 de fevereiro de 1991, que se relacionam numa visão abrangente à promoção E proteção à saúde indígena.

Os representantes de agentes indígenas de saúde, políticos indígenas e o conjunto dos 19 povos existentes no Alto Rio Negro, presentes nesta II CNS-PI, protestam contra a permanência de garimpeiros em suas áreas.

Repúdio à atitude do Ministro de Estado da Saúde, assim como do Presidente da Fundação Nacional de Saúde, de não comparecimento nesta II CNS-PI.

Repúdio ao processo de degradação ambiental das áreas indígenas, ocasionado principalmente por atividades de empresas mineradoras, garimpeiros, madeireiros e similares.

Repúdio à revisão constitucional e exigência de que se garantam os direitos dos povos indígenas conquistados na Constituição Federal de 1988.

Que as instituições governamentais e não governamentais viabilizem propostas de auto-sustentação das comunidades indígenas, baseadas na utilização dos recursos florestais renováveis (borracha, castanha, copaíba, etc.) e promovam programas de recuperação de áreas degradadas, entendendo que são medidas fundamentais para a sobrevivência e a saúde indígena.

Que enquanto não se concretiza a proposta de um órgão de saúde indígena vinculado ao Ministério da Saúde, a COSAI seja transformada em um Departamento de Saúde do Índio, viabilizando assim maior agilidade administrativa e financeira.

Que o convênio n° 227/93, a ser firmado entre a FNS E a FUNAI, seja remetido à próxima reunião da CISI para apreciação e garantia da transparência das discussões e assinado somente após este processo.

O Conselho Indígena do Vale do Javari repudia o descaso por parte do Governo Federal, em relação aos povos isolados como Korubo, Juma, Flecheiros, Kixito, Jandiatuba, Maemã e outros em risco de extinção. Estende o repúdio a projetos de parlamentares que visem à redução de áreas indígenas em regiões de fronteiras, desrespeitando assim as organizações indígenas, a sua cultura, tradições e seus direitos originais.

Que os prefeitos municipais de Tefé, Alvarães, Uarini e Maraã no Amazonas reconheçam a preservação dos lagos nas áreas indígenas do médio Solimões e Japurá, garantindo a punição de peixeiros desses municípios que invadem esses lagos levando os pescados para os grandes frigoríficos sem o consentimento dos índios.

A COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) exige que as propostas desta Conferência, de grande importância para os povos indígenas, sejam imediatamente viabilizadas pelos órgãos competentes. Exige, ainda, que seja feita justiça com a punição dos matadores dos Yanomami e dos 14 índios Tikuna na região do Capacete.

Que o Exmo. Sr. Presidente da república, Dr. Itamar Franco, garanta o processo de demarcação das terras indígenas, habitat legítimo de seus povos.

Os profissionais de saúde do Distrito Sanitário Yanomami de Roraima e Amazonas vêm repudiar o descaso e o desrespeito da direção da FNS em relação à garantia dos direitos trabalhistas, tais como: férias, licença maternidade, licença médica e outros, direitos esses assegurados na Constituição a todos os trabalhadores independentemente do regime de trabalho.

Que a infra-estrutura física de saúde construída pelo Projeto Calha Norte no Alto Rio Negro, Amazonas, seja repassada para o Distrito Sanitário Especial Indígena da referida região.

Os 7 povos indígenas de Pernambuco repudiam a FNS pela compra de apenas uma viatura para cada ADR, quando as necessidades são de uma para cada área. Esta carência de viaturas obriga-os a transportar nossos parentes em carros de boi ou mesmo em redes, muitas vezes ocorrendo óbitos em decorrência destes deslocamentos.

Os índios, Organizações Governamentais e Não Governamentais do Maranhão vêm repudiar a atitude tomada pela Companhia Vale do Rio Doce em se recusar a negociar questões que dizem respeito aos povos indígenas, desrespeitando esses povos e as demais instituições presentes no grupo de trabalho sobre saúde indígena naquele Estado.

A II Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas denuncia a existência de seitas religiosas que pregam contra os costumes indígenas e principalmente contra os pajés.

A Comissão de Relatores vem publicamente manifestar seu repúdio à ausência de apoio técnico e administrativo à Comissão Executiva na realização desta Conferência, que se refletiu na falta de máquina xerox, telefone, secretaria e organização para o atendimento ao público, para o contato com a imprensa e outras instituições.

Que o SUS garanta o tratamento adequado para os pacientes índios contaminados pelo mercúrio e adoção de medidas preventivas às populações expostas.

Credenciamento de todos os serviços de saúde dos Postos Indígenas junto ao SUS, com os recursos canalizados para os DSEI.

Os recursos necessários para a capacitação e remuneração dos AIS devem vir do orçamento do Ministério da Saúde já em 1994.

A Comissão de Relatores desta Conferência manifesta seu agradecimento ao Dr. José Antonio Nunes de Miranda por sua dedicação pioneira à causa de Saúde do Índio, o qual por quatro décadas trabalhou junto ao também pioneiro Noel Nutels no Serviço Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA), e que ainda hoje, honra os participantes desta Conferência com a sua presença.

Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio

Realizada nos dias 27 a 29 de novembro de 1986.

Coordenação Geral: Antônio Nunes de Miranda (Divisão de Pneumologia Sanitária/ MS)

Ana Maria Costa (MS/ Secret. De Programas Especiais)

Comissão de Redação: Ailton Krenak (UNI/SP)

Ana Gita de Oliveira (MINC/DF)

Ana Maria Costa (MS/Secret. de Programas Especiais)

Manuel J. C de M. Paiva Ferreira (Fiocruz/RJ)

Nicanor R. da Silva Pinto (CPI/SP)

Olímpio Serra (MINC/DF)

Texto aprovado pela Plenária do dia 29 de novembro de 1986, no Auditório do Ministério da Saúde, Brasília.

INTRODUÇÃO

A Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio constituiu um momento em que, pela primeira vez, o Estado reuniu representantes de várias nações indígenas, órgãos públicos, organizações da sociedade civil que atuam em apoio à causa indígena, para discutir uma proposta de Diretrizes relativas à Saúde do Índio.

Os participantes desta Conferência, reconhecendo a importância da elaboração de políticas para os indígenas com a sua participação, recomendam como princípio geral que esta participação deve ser extensiva a todos os momentos de decisão, tais como na formulação e no planejamento das ações e dos serviços de saúde, na sua implantação, execução e avaliação.

A Organização Mundial de Saúde entende a saúde como um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência da doença. No caso da saúde indígena este conceito implica em considerar:

que a saúde das nações indígenas é determinada num espaço e tempo histórico e na particularidade do seu contato com a sociedade nacional, pela forma de ocupação do seu território e adjacências;

que a autonomia, a posse territorial e o uso exclusivo pelas nações indígenas dos recursos naturais do solo e subsolo, de acordo com as necessidades E especificidades etnoculturais de cada nação, bem como a integridade dos seus ecossistemas específicos, sejam assegurados e garantidos;

que a cidadania plena, assegurando todos os direitos constitucionais, seja reconhecida como determinante do estado de saúde;

que o acesso das nações indígenas às ações e serviços de saúde, bem como sua participação na organização, gestão e controle dos mesmos, respeitadas as especificidades etnoculturais e de localização geográfica, é dever do Estado.

SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ÍNDIO

DO GERENCIAMENTO

o gerenciamento das ações e serviços de atenção à saúde para as nações indígenas, deverá ser da responsabilidade de um único órgão, criando-se uma agência específica para tal fim, com representação indígena;

a vinculação institucional desta agência deve ser com o ministério responsável pela coordenação do sistema único de saúde, de modo a integrar o sistema específico de saúde para os índios ao sistema nacional;

é de competência desta agência designar grupos multiprofissionais para estudar e propor ações específicas para casos especiais (populações em vias de contato ou de contato recente e outros casos considerados como tal).

DA EXECUÇÃO

A execução das ações de saúde ao nível primário de atenção deve ser de responsabilidade da agência supracitada aqui proposta, a integração com os demais níveis de atenção aqui contemplados e pelo Sistema Único de Saúde.

DA ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

garantir a participação das nações indígenas através de seus representantes, na formulação da política, no planejamento, na gestão, na execução e na avaliação das ações e dos serviços de saúde;

assegurar o respeito e o reconhecimento das formas diferenciadas das nações indígenas no cuidado com a saúde;

ao nível local, os serviços devem fundamentar-se na estratégia da atenção primária à saúde, respeitando as especificidades etnoculturais das nações envolvidas;

os serviços locais devem contar com serviços de maior complexidade e localizados, preferencialmente, a nível regional, para a referência e a contra-referência;

o nível regional é o ponto de articulação entre os serviços específicos dos sistema da saúde para os índios e o sistema nacional.

DO ACESSO E DA QUALIDADE DOS SERVIÇOS

universalização em relação à cobertura das populações indígenas, iniciando-se pelas regiões mais carentes;

garantir o direito de ter acompanhantes ao doente internado;

atendimento de qualidade compatível com o estágio de desenvolvimento do conhecimento e dos recursos tecnológicos disponíveis;

contemplar um espaço para convênios com entidades de pesquisa e ensino na área de saúde, definidos com as nações indígenas envolvidas.

DA POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOS

admissão através de concurso;

capacitação e reciclagem de acordo com as necessidades locais e de forma permanente;

exigir cumprimento da carga contratual e viabilizar e incentivar o regime de dedicação exclusiva;

existência de um plano de cargos e salários compatíveis com as especificidades regionais e locais;

estímulo à formação de pessoal em saúde, nas próprias comunidades envolvidas, dos diversos níveis (agentes de saúde, auxiliares de enfermagem, enfermeiros, etc.)

que a remuneração de agentes de saúde indígenas deve obedecer aos critérios e definições das comunidades a que pertencem os mesmos;

garantia de vagas para pessoas indígenas em Universidades Públicas brasileiras, nos cursos de formação de saúde, à semelhança dos convênios de cooperação internacional já em prática.

DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO

garantir a criação e o funcionamento de um sistema de informações capaz de coletar e processar, de forma regular, os dados necessários à uma análise epidemiológica que retrate a dinâmica populacional, levando em conta as diferenças específicas de cada nação indígena;

garantir que os resultados provenientes dessa análise epidemiológica regular sejam passados às lideranças indígenas e autoridades sanitárias.

- Este texto foi publicado em Janeiro de 1988, na edição especial da Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – cebes – Saúde em Debate.