MOÇÃO DE REPÚDIO Nº 006, DE 06 DE JULHO DE 2021
O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento Interno do CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e
Considerando que, desde os estudos de Josué de Castro, restou demonstrado que a fome é uma criação de nossa sociedade, uma vez que não é um fenômeno natural e surge por fenômenos artificialmente criados pelos homens que desenvolveram um tipo de economia que visa tão somente o atendimento do capital e não das necessidades do homem;
Considerando que vivenciamos uma dupla carga de má-nutrição, que abarca as altas prevalências de excesso de peso, de doenças como hipertensão e diabetes, mas também a fome, a desnutrição e as carências de micronutrientes e que a má nutrição e a fome passam pela falta de condições para o acesso à alimentação saudável para o corpo, para a vida e para o planeta;
Considerando que, enquanto 60,3% da população adulta tem excesso de peso (POF 2017-2018), mais da metade dos domicílios brasileiros convivem, em 2021, com algum grau de insegurança alimentar, sem acesso pleno e permanente a alimentos, ou seja, existem 19 milhões de brasileiros passando fome (9% da população total), o que é um paradoxo, já que o Brasil é o 2º maior exportador mundial de alimentos, exportando para mais de 180 países;
Considerando que, desde a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), em 1º de janeiro de 2019, evidenciamos o desmonte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o qual foi essencial para retirada do país do Mapa da Fome;
Considerando que a forma como tem ocorrido o enfrentamento à pandemia pela COVID-19 agravou ainda mais as desigualdades sociais no nosso país, afetando, especialmente, a população negra e afro-brasileira, mulheres, idosos, pessoas com deficiência e doenças raras, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, trabalhadores/as informais e os/as que vivem em regiões favelizadas e periféricas são as mais afetadas, em especial as crianças brasileiras, por serem mais sensíveis à insegurança alimentar e nutricional e à fome;
Considerando o grande aumento do preço de alimentos in natura e minimamente processados, como o arroz, feijão, alimentos básicos da dieta de brasileiras e brasileiros, e a tendência de decréscimo nos preços dos alimentos ultraprocessados, inversamente aos alimentos saudáveis recomendados pelo Guia Alimentar;
Considerando a tendência do aumento do consumo de ultraprocessados em todos os extratos sociais brasileiros, sendo maior nos de menor renda, o que afeta o padrão de consumo alimentar e as condições de saúde da população, com consequências diretas nos custos para o SUS, chamando-nos a atenção a presença de ultraprocessados distribuídos nas cestas básicas entregues à população, o que amplia a lucratividade das grandes corporações em tempos de pandemia;
Considerando que, alinhado com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que reconhece a hipossuficiência do consumidor e a necessidade de que as informações a ele prestadas sejam claras e precisas, o prazo de validade adotado no Brasil representa uma data limite até a qual os alimentos preservam as condições de segurança e de qualidade, ou seja, não se adota no Brasil o modelo previsto por algumas autoridades estrangeiras e até o Codex Alimentarius, em que se pode declarar uma data de consumo preferencial (best before) para as questões de qualidade; e
Considerando que é atribuição do Presidente do Conselho Nacional de Saúde decidir, ad referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Plenário em reunião subsequente (Art. 13, inciso VI do Regimento Interno do CNS, aprovado pela Resolução CNS nº 407, de 12 de setembro de 2008).
Vem a público ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde
Manifestar repúdio às declarações do Ministro da Economia, Paulo Guedes, e da Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, feitas no 1º Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento, ocorrido em 17 de junho de 2021, no qual se propôs a ampliação do prazo de validade dos alimentos, aliada à adoção de modelo que permita vendas de baixo custo e doações, a partir de determinado prazo, incorporadas à reformulação do Programa Bolsa Família, formulação esta que visa ao preenchimento da lacuna institucional para o enfrentamento à fome no Brasil, o que torna essa proposta ainda mais lamentável.
FERNANDO ZASSO PIGATTO
Presidente do Conselho Nacional de Saúde
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