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RECOMENDAÇÃO Nº 034, DE 07 DE MAIO DE 2020

Recomenda medidas para garantir uma produção sustentável, distribuição e doação de alimentos, com respeito à natureza e aos direitos dos agricultores familiares, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais.

O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento Interno do CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e 

Considerando o reconhecimento do estado de emergência de saúde pública no Brasil, decorrente da pandemia do COVID-19, que exige medidas articuladas para o enfrentamento de suas consequências e de proteção à saúde, tanto com intervenções para conter a disseminação do vírus, quanto com ações de proteção da vida,  da saúde e da capacidade aquisitiva da população, em especial, aquela em situação de vulnerabilidade social;

Considerando que o gravíssimo contexto de pandemia global nos convida a repensar as bases do Sistema Alimentar visando uma produção sustentável, com respeito à natureza, à biodiversidade, à soberania e patrimônio alimentar, garantindo os direitos à terra e ao território dos agricultores familiares, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais que, em conjunto, contribuem para a produção de comida de verdade;

Considerando a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006 (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional), ao estabelecer que “é dever do poder público respeitar, proteger, promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada, bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade”;

Considerando a necessidade da defesa da alimentação adequada e saudável, como preconiza a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), do Ministério da Saúde, e que orienta o Guia Alimentar para a População Brasileira (MS, 2014);

Considerando que as consequências das situações de Insegurança Alimentar e Nutricional recaem sobre o atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), já sobrecarregado diante da conjuntura de pandemia;

Considerando o atual momento de estagnação econômica do Brasil, acompanhado de alterações impactantes nas políticas sociais que afetam diretamente o SUS, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), por meio de medidas de austeridade e de retirada de direitos, tais como a Emenda Constitucional nº 95 (EC 95), repercutindo na piora de indicadores sociais , como tem demonstrado as últimas pesquisas, o enfraquecimento do estado, a privatização de bens e serviços públicos, a fragilização da proteção social de trabalhadores e trabalhadoras, entre outras;

Considerando o acelerado desmantelamento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), aprofundado com a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), com a drástica redução e extinção de programas, comprometendo gravemente as políticas voltadas para a agricultura familiar, assentamentos rurais, povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais;

Considerando as incertezas em face dos baixos estoques apontados pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e analistas do setor agropecuário, ao contrário da narrativa difundida pelo Ministério da Agricultura, de suposta estabilidade;

Considerando que a pandemia do coronavírus traz luz sobre as desigualdades sociais, étnico-raciais e de gênero e as condições precárias de vida a que estão submetidas parcelas imensas da população brasileira (em especial a população negra e afrobrasileira, mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência e doenças raras, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, trabalhadores/as informais e os/as que vivem em regiões favelizadas e periféricas), o que escancara seu potencial catastrófico junto a estes grupos, como efeito perverso do modelo de desenvolvimento hegemônico sobre a condição alimentar e nutricional e o aumento da fome;

Considerando a urgência de medidas que coloquem a vida e a dignidade humana no centro das decisões e políticas públicas, enquanto  abordagem de direitos humanos que, na perspectiva do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) significa garantir que todas as pessoas, com prioridade àquelas que se encontram em maior dificuldade de garantir esse direito a si e a sua família, tenham acesso físico ou econômico a alimentos adequados e saudáveis que precisam estar disponíveis, de forma estável e permanente, até que essas pessoas sejam capazes de os assegurar por si mesmas, implicando no fortalecimento de políticas estruturantes;

Considerando e posicionando-se  em total desacordo com o anúncio de “soluções emergenciais” que atendem mais aos interesses das corporações do que aos requisitos de uma alimentação adequada e saudável e se opõe frontalmente aos princípios, diretrizes  e recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, tais como a distribuição em massa de produtos formulados industrializados e de produtos que representem riscos à saúde da população, como produtos fora da validade, com embalagens violadas, entre outras situações previstas na legislação; e

Considerando que é atribuição do Presidente do Conselho Nacional de Saúde, decidir, ad referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Plenário em reunião subsequente (Art. 13, inciso VI do Regimento Interno do CNS, aprovado pela Resolução CNS nº 407, de 12 de setembro de 2008).

Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde

Ao Ministério da Saúde:

1.         Realização de campanhas de comunicação em massa e difusão de informações, com base técnico-científicas, em meio e formatos acessíveis e linguagem simples, com utilização de recurso de audiodescrição, legendas e LIBRAS, direcionadas à população sobre alimentação adequada e saudável e conservação de alimentos, assim como para trabalhadores e empreendedores envolvidos na cadeia de fornecimento de alimentos quanto ao uso de material de higiene e equipamentos individuais para mitigar os riscos de contágio e disseminação do COVID-19;

2.         Desenvolvimento de estratégias para  orientações,  aos profissionais da Atenção Primária em Saúde  sobre a importância da vigilância alimentar e nutricional, especialmente de populações mais vulneráveis como povos e comunidades tradicionais (como a população negra, quilombolas e povos indígenas) e grupos de risco para COVID-19, e sobre alimentação adequada e saudável, com incentivo ao aleitamento materno e ao consumo de alimentos in natura e minimamente processados, de acordo com as recomendações dos guias alimentares do Ministério da Saúde, por meio de linguagem acessível a toda a população, como forma de  proteger e  garantir a manutenção da saúde.

Aos Governos Estaduais e Municipais:

1.         Apoio à criação de Comitês Estaduais e Municipais de Emergência para o Combate à Fome, formados pelas instâncias que tratam da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), como os Conselhos (CONSEA) e Câmaras Intersetoriais governamentais (CAISAN), Instituições de Ensino Superior (IES), em diálogo com as instâncias dos sistemas de saúde e de assistência social e sociedade civil, para monitorar e propor soluções articuladas e intersetoriais, com foco nos grupos mais vulneráveis à fome;

2.         Continuidade, ampliação e adequação da distribuição de alimentos pelos Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional (Restaurantes Populares, Cozinhas Comunitárias e Bancos de Alimentos) e de cestas emergenciais de alimentos, com base na alimentação adequada e saudável, visando à manutenção da distribuição de alimentos, priorizando as organizações de assistência social que atendem os grupos de risco, as de longa permanência e as que podem apoiar as diferentes redes locais de solidariedade, realizando todas as adaptações e cuidados necessários para reduzir o risco de disseminação do vírus;

3.         Utilização de equipamentos públicos (escolas, universidades, centros da assistência social, centros comunitários, restaurantes populares, cozinhas comunitárias etc.), lideranças comunitárias e de territórios tradicionais de matriz africana, para promover a distribuição local direta de alimentos saudáveis e kits de higiene à população (inclusive de higiene feminina), especialmente nas periferias e favelas e aos estudantes cotistas, utilizando a logística de distribuição especialmente às pessoas com doenças crônicas e com fator de risco de desenvolvimento severo do quadro de COVID-19;

4.         Realização e fortalecimento, pela Atenção Primária à Saúde, da vigilância alimentar e nutricional, do acompanhamento nutricional, da identificação de agravos alimentares, fatores de risco e das necessidades alimentares da população, especialmente de povos e comunidades tradicionais, grupos que possuem fatores de risco para COVID-19 e grupos populacionais em condições de vulnerabilidade e iniquidade, como as populações assistidas pelos programas de transferência de renda;

5.         Realização de estratégias de promoção da alimentação adequada e saudável e aleitamento materno e orientação quanto a higienização e conservação dos alimentos pela equipe multiprofissional da Atenção Primária à Saúde, especialmente nutricionistas;

6.         Fortalecimento de circuitos curtos e de proximidade de comercialização de alimentos adequados e saudáveis, articulados com a promoção de equipamentos de varejo (pequeno comércio, feiras etc.), que garantam o acesso a esses alimentos pelas famílias mais vulneráveis, especialmente em periferias e favelas, ao tempo em que favorecem a geração de renda de pequenos produtores locais;

7.         Estímulo e apoio à logística e distribuição das iniciativas de agricultores/as e grupos de consumidores visando à compra direta da produção da agricultura familiar e das redes de comercialização agroecológicas, de modo a mitigar os riscos de contágio, e que possam ser também adquiridas pelos governos para a distribuição de cestas; observância dos critérios de distanciamento (nas filas) e uso de máscaras a todos os envolvidos (trabalhadores e população consumidora) no processo de distribuição e aquisição;

8.         Garantia de proteção sanitária e social das/os trabalhadoras/es em todas as atividades do sistema alimentar de quem dependemos para assegurar o abastecimento de alimentos, instando empregadores na agricultura, indústria e comércio a adotar medidas concretas nessa direção, e orientando trabalhadoras/es formais e informais sobre procedimentos requeridos com fornecimento de material de higiene e uso correto desses materiais;

9.         Desenvolvimento da gestão de equipamentos públicos de abastecimento (varejões, sacolões, mercados municipais, feiras) que atenda aos esforços para além de suas finalidades mercantis específicas, e com os devidos cuidados para reduzir o risco de contaminação;

10.      Elaboração de estratégias intersetoriais com o intuito de facilitar o acesso a financiamento aos pequenos agricultores, visando à continuidade da produção, com incentivos para a manutenção das operações; e

11.      Estabelecimento de parcerias para adoção de medidas visando facilitar o armazenamento das produções e auxiliar na redução de perdas pós-colheitas nas safras.

À Câmara dos Deputados:

A rejeição ao Projeto de Lei 1194/2020, que dispõe sobre o combate ao desperdício de alimentos e à doação de excedentes de refeições prontas para o consumo e dá outras providências, de autoria do Senador Fernando Collor (PROS/AL).

Ao Ministério da Cidadania

1.         Reconstituição imediata da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN), prevista no  Art. 11, Inciso III da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), a quem cabe elaborar, coordenar e executar a Política e o Plano de SAN em nível federal, por meio da reunião de representantes do Governo Federal e articular as políticas e planos estaduais e do Distrito Federal; e

2.         Garantia da entrega de cestas de alimentos aos povos indígenas, quilombolas e famílias assentadas, cuja composição seja embasada nas recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, com produtos in natura e minimamente processados, oriundos da agricultura familiar, agroecológicos e orgânicos.

Ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento:

Adoção de medidas para a garantia do abastecimento alimentar, por meio das seguintes recomendações: (a) monitoramento nacional e regionalizado dos fluxos e preços dos alimentos integrantes da cesta básica por intermédio do sistema CONAB/CEASAS; (b) promoção imediata da recomposição dos preços mínimos e assegurar recursos para promover as aquisições pela Conab de alimentos básicos, em especial arroz, feijão, milho, leite e farinha de mandioca; (c) retorno imediato do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da Agricultura Familiar, por intermédio da CONAB e dos estados e municípios, privilegiando a modalidade Compra com doação de alimentos, operacionalizada por meio das organizações sociais, associada à distribuição de cestas básicas a famílias carentes e em situação vulnerabilidade social.

 

FERNANDO ZASSO PIGATTO

Presidente do Conselho Nacional de Saúde

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