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RECOMENDAÇÃO Nº 061, DE 03 DE SETEMBRO DE 2020

Recomenda que a retomada das aulas presenciais só ocorra depois que a pandemia estiver epidemiologicamente controlada e mediante a articulação de um plano nacional que envolva gestores e a sociedade civil.

O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento Interno do CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e

Considerando a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, em decorrência da Doença por Coronavírus – COVID-19 (decorrente do SARS-CoV2, novo Coronavírus);

Considerando a Portaria nº 188, de 03 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde, que declara Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), conforme Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011, em decorrência da Doença por Coronavírus – COVID-19 (decorrente do SARS-CoV- 2, novo Coronavírus);

Considerando a Recomendação CNS nº 22, de 09 de abril de 2020, que recomenda medidas com vistas a garantir as condições sanitárias e de proteção social para fazer frente as necessidades emergenciais da população diante da pandemia da COVID-19, dentre as quais aquelas que possibilitam o afastamento social e que não permitam aglomerações de pessoas, como forma de diminuir a disseminação do coronavírus e evitar o colapso do sistema de saúde;

Considerando a Nota Publica, de 13 de abril de 2020, na qual o CNS defende a necessidade de manutenção do isolamento (ou distanciamento) social como método mais eficaz na prevenção à pandemia, conforme orientam a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) para a preservação da vida da população brasileira;

Considerando a Recomendação CNS nº 27, de 22 de abril de 2020, que recomenda aos Poderes Executivo (Federal e Estadual), Legislativo e Judiciário, ações de enfrentamento ao novo Coronavírus, dentre os quais, a sustentação da recomendação de manter o isolamento (ou distanciamento) social, num esforço de achatamento da curva de propagação do novo Coronavírus, até que evidências epidemiológicas robustas recomendem a sua alteração;

Considerando que, seguindo as orientações sanitárias nacionais e internacionais, uma das medidas implementadas nos Estados e Municípios para o enfrentamento da emergência de saúde pública foi a suspensão das atividades escolares de forma presencial, as quais foram em muitos casos substituídas por outras possibilidades de atividades pedagógicas não presenciais, tais como: videoaulas, conteúdos organizados em plataformas virtuais de aprendizagem, redes sociais, correio eletrônico, blogs; por meio de programas de televisão ou rádio; pela adoção de material didático impresso com orientações pedagógicas distribuído aos alunos e seus pais ou responsáveis; e pela orientação de leituras, projetos, pesquisas, atividades e exercícios indicados nos materiais didáticos;

Considerando que estas medidas foram implementadas de forma fragmentada e sem um plano coordenado nacionalmente e que o período de pandemia agravou e expôs uma série de problemas relacionados com o ensino no Brasil, tais como: a) a evasão escolar; b) desigualdades de condições entre a rede pública e particular, além das desigualdades existentes dentro da rede pública: desde escolas com boas condições de infraestrutura e de gestão, até escolas que não tem banheiros adequados, não contam com salas de aulas arejadas e que são superlotadas, não possuem acesso à internet com limitações na capacidade de implementar atividades não presenciais; c) as desigualdades sociais; d) desigualdades de recursos, de condição para estudar, de tempo e dedicação; e) Grande déficit não só de tratamento de esgoto, de água e luz, mas também no acesso às tecnologias digitais; e) condições de trabalho precárias para professores e demais trabalhadores da educação, sendo que  milhares de profissionais da educação vivenciam condições desprovidas de direitos e em condições de instabilidade cotidiana, dada pelo trabalho temporário, eventual, contratos de tempo parcial, por hora, entre outros;

Considerando que segundo a chefia de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) no Brasil, a exclusão escolar afeta os mais vulneráveis e que há milhões de crianças e adolescentes que estavam na escola, aprendendo, mas não conseguiram manter atividades em casa por falta de estrutura e estão ficando para trás, e, ademais, que há 6,4 milhões de meninas e meninos que já estavam com dois ou mais anos de atraso escolar, e correm o risco de não conseguir mais voltar, sendo 1,7 milhão aqueles que já estavam fora da escola antes da pandemia, e estão ficando cada vez mais longe dela;

Considerando que, segundo estimativas do Programa Conjunto de Monitoramento da OMS e do UNICEF para Saneamento e Higiene (JMP), a taxa de letalidade da Covid-19 entre os povos indígenas é duas vezes mais alta que a média nacional do país e que dados coletados na cidade de São Paulo revelam que, entre os brasileiros infectados pela Covid-19, os negros têm 62% mais chances de morrer da doença do que os brancos, o que demonstra que a pandemia exacerbou problemas preexistentes de exclusão e vulnerabilidade estruturais do Brasil;

Considerando que, segundo uma pesquisa feita pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), em 2018, 58% dos domicílios no país não tinham computadores e 33% não possuíam internet e que outras pesquisas apontam que: a) no caso das escolas municipais (que atendem prioritariamente o ensino básico e primeiros anos do ensino fundamental) 60% dos alunos estavam recebendo atividades remotas e 40% não recebiam nada; b) nas escolas estaduais (que atendem prioritariamente o ensino médio e últimos anos do ensino fundamental) 86% dos alunos estavam recebendo atividades remotas, mas esses alunos relataram que tinham acesso precário a internet, conforme informação constante do Parecer nº 11/2020 do Conselho Nacional de Educação/CNE;

Considerando que estudos, pesquisas e relatórios, nacionais e internacionais, demonstram que o afastamento das salas de aula tem impactos importantes para a vida das crianças, dos jovens e de suas famílias, como: a) a falta de socialização; b) o prejuízo de aprendizagem; c) o aparecimento de problemas relacionados à saúde mental; d) as dificuldades de acesso à alimentação pela ausência da merenda escolar, e) o caos geracional principalmente entre os jovens vivendo em situação de vulnerabilidade; e f) a precarização da segurança de crianças e adolescentes, em especial os mais vulneráveis;

Considerando que, além da falta de um plano coordenado nacionalmente, a pandemia, no Brasil, surgiu em meio a uma crise de aprendizagem, que, segundo aponta o Parecer CNE nº 11/2020, poderá ampliar ainda mais as desigualdades existentes, visto: a) que as limitações na capacidade de implementar atividades não presenciais poderão aprofundar o modo desigual as oportunidades de aprendizagem; b) as diferenças no aprendizado entre os alunos que têm maiores possibilidades de apoio dos pais; c) as desigualdades entre as diferentes redes e escolas de apoiar remotamente a aprendizagem de seus alunos; d) as diferenças observadas entre os alunos de uma mesma escola em sua resiliência, motivação e habilidades para aprender de forma autônoma on-line ou off-line; e) as diferenças entre os sistemas de ensino em sua capacidade de implementar respostas educacionais eficazes; e, f) as diferenças entre os alunos que têm acesso ou não à internet e/ou aqueles que não têm oportunidades de acesso às atividades síncronas ou assíncronas;

Considerando que, apesar de o Brasil ocupar o 2º lugar no ranking de mortes e de casos, que já ultrapassaram os 120 mil e os 4 milhões, respectivamente, até o momento, não existe um plano nacional de enfrentamento da pandemia;

Considerando que, apesar da pandemia acometer o território nacional de diferentes formas e tempos, o vírus está em alta circulação na população brasileira, fato que pode ser identificado pela curva de óbitos e novos casos em platô sustentado há várias semanas, ainda sem indicação de queda significativa;

Considerando que, apesar desse quadro epidemiológico, neste momento, está em curso, em todo o país, o debate e a implementação do processo de flexibilização do distanciamento social e a reabertura dos estabelecimentos de ensino;

Considerando que, segundo a Nota Técnica 12, de 22 de julho de 2020, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - Populações em risco e a volta as aulas: Fim do isolamento social: a)  mais de 9 milhões (4,4% da população do país) de idosos e adultos com diabetes, doença do coração ou doença do pulmão, residem em domicílio com pelo menos uma pessoa entre 3 e 17 anos (idade escolar); b) cerca de 4 milhões (1,8% da população do país) de adultos com idade entre 18 e 59 anos com diabetes, doença do coração ou doença do pulmão, residem em domicílio com pelo menos uma pessoa entre 3 e 17 anos (idade escolar); c) mais de 5 milhões de idosos (60 anos e mais) residem em domicílio com pelo menos um menor entre 3 e 17 anos (2,6% da população do país; d) em um cenário otimista se 10% dessa população de adultos com fatores de risco e idosos que vivem com crianças em idade escolar necessitarem de cuidados intensivos, cerca de 900 mil pessoas poderão necessitar de UTI e que, se tomarmos como referência a taxa de letalidade observada no país, isso pode representar 35 mil óbitos somente nessa população;

Considerando que, embora a maior parte dos casos graves da Covid-19 que podem levar a internações ou morte, esteja concentrada nas faixas etárias de adultos, as crianças e adultos jovens podem também se infectar e apresentar quadros assintomáticos, leves ou mesmo graves da doença;

Considerando que os resultados da Fase 1 do Inquérito Sorológico realizado com crianças e adolescentes, com idade entre 4 e 14 anos, da rede municipal de ensino da Prefeitura de São Paulo, apresentado em 18 de agosto de 2020, apontaram: a) um índice de prevalência de 16,1% da Covid-19; b) que 64,4% dos alunos que testaram positivo eram assintomáticos; c) que, entre os alunos testados, 25,9% convivem em domicílios com a presença de pessoas com 60 anos ou mais; d) que a prevalência do vírus segundo raça e cor segue similar aos estudos realizados com os adultos, com índices maiores (17,8%) em pessoas pretas e pardas; e) Entre as crianças e adolescentes testadas, 64,4% são pertencentes às classes D e E, e 27,8% a Classe C;

Considerando outros fatores agregados ao retorno às aulas presenciais que contribuem para o aumento da taxa de transmissibilidade e de mortes, tais como: a) exposição ao vírus não apenas dos alunos, mas de todo um seguimento social como transporte, professores, funcionários, cuidadores, entre outros; b) aumento de ambientes de aglomeração; c) professores e funcionários incluídos nos chamados grupos de risco; e) dificuldades, da maioria das escolas, em implementar as condições mínimas de barreiras sanitárias para garantir a proteção da comunidade escolar (banheiros adequados, salas de aula adequadas, lavatórios adequados para a lavagem das mãos, por exemplo);

Considerando que, segundo estimativas do Programa Conjunto de Monitoramento da OMS e do UNICEF para Saneamento e Higiene (JMP), 39% das escolas no Brasil não dispõem de estruturas básicas para lavagem das mãos e que há grandes disparidades entre as diversas regiões do país, bem como entre escolas públicas e privadas, as quais têm mais que o dobro da cobertura das escolas públicas para esses serviços;

Considerando que, de acordo com a orientação de especialistas, a retomada das aulas presenciais só pode ocorrer, do ponto de vista sanitário, após a pandemia estar controlada epidemiologicamente, ou seja, com incidência decrescente e com a implementação de ações de monitoramento contínuo e rápido para permitir intervenção oportuna quando necessário, objetivando, acima de tudo, a preservação da vida;

Considerando que, do ponto de vista pedagógico, esse retorno deve estar alicerçado nas premissas de que a educação de qualidade é um dos pilares da sociedade contemporânea e de que o direito à educação de qualidade se associa à dignidade do ser humano, conforme aponta o Parecer nº 11/2020 do CNE, que oferece um conjunto de recomendações para a realização de aulas e atividades pedagógicas presenciais e não presenciais no contexto da pandemia objetivando, além da preservação da vida, a diminuição das desigualdades e o desenvolvimento de uma sociedade brasileira plural, assentada sobre princípios e valores de promoção da cidadania;

Considerando que, segundo dados do Censo Escolar de 2019 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Brasil tem 47,9 milhões de estudantes na Educação Básica, dos quais 85% estão na rede pública e 15% na rede particular de ensino, e 8,4 milhões no Ensino Superior, portanto, uma população de 56,3 milhões de estudantes fora das salas de aula desde março de 2020. Deste universo, 51,8 milhões de estudantes estão distribuídos em várias etapas de ensino: a) 9 milhões de estudantes de Educação Infantil e 114.851 escolas; b) 15 milhões de estudantes nos Anos Iniciais e 109.644 escolas; c) 11,9 milhões de estudantes nos Anos Finais e 61.765 escolas; d) 7,5 milhões de estudantes no Ensino Médio e 28.860 escolas; e) 8,4 milhões de estudantes no Ensino Superior e 2.537 instituições de Ensino Superior e que cerca de 2,2 milhões de docentes atuam na Educação Básica e 384.474 docentes no Ensino Superior; e

Considerando as atribuições conferidas ao presidente do Conselho Nacional de Saúde pela Resolução CNS nº 407, de 12 de setembro de 2008, art. 13, Inciso VI, que lhe possibilita decidir, ad referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Pleno em reunião subsequente.

Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde

Ao Governo Federal e aos governos estaduais, municipais e do Distrito Federal:

I - Que a retomada das aulas presenciais só ocorra depois que a pandemia estiver epidemiologicamente controlada, ou seja, com a taxa decrescente de incidência de mortes e de casos de Covid-19, e após a implementação de ações de monitoramento contínuo e rápido para permitir intervenção oportuna quando necessário, objetivando, acima de tudo, a preservação da vida.

II - Que articulem um plano nacional de retorno às aulas presenciais que envolva a participação dos entes das três esferas da gestão pública, de forma intersetorial (saúde, educação e assistência social) e de toda a sociedade, incluindo: 1) a comunidade (famílias, lideranças comunitárias); 2) as entidades representativas de trabalhadores e trabalhadoras da educação, da saúde e da assistência social; e 3) as entidades representativas dos estudantes, e, contemple:

a) A avaliação das condições das escolas da rede pública de ensino;

b) A definição de protocolos sanitários e educacionais que incluam estabelecimento de canais formais de denúncia junto aos órgãos fiscalizadores (Conselhos de Educação e Saúde estaduais e municipais e do Distrito Federal) para o caso de não cumprimento de quaisquer medidas do protocolo;

c) Os investimentos financeiros para a melhoria e adequação da infraestrutura das escolas da rede pública de ensino;

d) Os investimentos financeiros para disponibilizar infraestrutura tecnológica adequada aos professores da rede pública de ensino;

e) A definição de medidas para enfrentamento dos desafios das aprendizagens no retorno às aulas;

f) O investimento na formação dos professores e na capacitação da equipe escolar para lidar com o novo ambiente necessário;

g) A observação das especificidades das escolas do campo e das comunidades indígenas; e

h) A diminuição das desigualdades.

III - Que implementem políticas públicas de suporte enquanto houver necessidade de atividades remotas, que, inclusive, podem representar uma oportunidade de superação das precariedades históricas do ensino no Brasil, tais como: 1) programa de inclusão digital, e 2) apoio financeiro, logístico e psicológico para estudantes e suas famílias.

 


 FERNANDO ZASSO PIGATTO

Presidente do Conselho Nacional de Saúde

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