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RECOMENDAÇÃO Nº 012, DE 17 DE MAIO DE 2021

Recomenda a rejeição do texto da consulta pública, realizada pelo Ministério da Saúde sobre a denominada “Política Nacional de Saúde Suplementar Para o Enfrentamento da Pandemia da Covid-19”.

O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento Interno do CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e 

Considerando o Art. 196 da Constituição Federal de 1988, que define a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação;

Considerando que o Art.199 da Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, estabelecem que o setor privado poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), apenas em caráter complementar, sendo vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos;

Considerando a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, em decorrência da Doença por Coronavírus – COVID-19 (decorrente do SARS-CoV-2, novo Coronavírus);

Considerando a Portaria nº 188, de 03 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde, que declara Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), conforme Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011, em decorrência da Doença por Coronavírus – COVID-19 (decorrente do SARS-CoV-2, novo Coronavírus);

Considerando que a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, estabelece mecanismos de regulação e regramentos gerais quanto à cobertura contratada por beneficiários de planos privados de assistência à saúde e define a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) como instância de regulação e fiscalização da saúde suplementar;

Considerando que a Lei no 9.961, de 28 de janeiro de 2000, que cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e dá outras providências, estabelece em seu artigo 4º, inciso I, que é competência da agência propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar (CONSU) para a regulação do setor de saúde suplementar;

Considerando que a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, já estabelece as medidas para o enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional decorrente da Doença por Coronavírus – COVID-19 (decorrente do SARS-CoV-2, novo Coronavírus), visando à proteção da coletividade;

Considerando as diretrizes e moções aprovadas na 16ª Conferência Nacional de Saúde – 16ª CNS (=8ª+8), publicadas por meio da Resolução CNS nº 617, de 23 de agosto de 2019;

Considerando a proposta do Eixo 3 - Financiamento adequado e suficiente para o Sistema Único de Saúde (SUS) da 16ª CNS, a saber, “Extinguir o subsídio público e renúncia fiscal para os planos privados de saúde, aprimorando a cobrança do ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) dos serviços prestados aos usuários da saúde suplementar, e também tributar as grandes fortunas com direcionamento de, no mínimo, 10% para o SUS, com prioridade de recursos para atenção básica e assistência social, garantindo as remessas de lucro e dividendos das empresas multinacionais destinados ao orçamento da seguridade social” e “Defender a eliminação absoluta dos subsídios públicos ao mercado de planos e seguros privados de saúde e de insumos, bem como o aprimoramento da cobrança do ressarcimento ao SUS, dos serviços prestados aos usuários da saúde suplementar”;

Considerando a Resolução CNS nº 554, de 15 de setembro de 2017, que estabelece que os Conselhos de Saúde têm a prerrogativa e a responsabilidade objetiva de estabelecer as diretrizes para a gestão e para a atenção à saúde em sua esfera de competência;

Considerando que, em 30 de abril de 2021, após reunião do CONSU, o Ministério da Saúde lançou, na plataforma digital “Participa + Brasil”, do governo federal, uma consulta pública, sobre a denominada “Política Nacional de Saúde Suplementar para o enfrentamento da pandemia da Covid-19”, cujo prazo para contribuições se daria até o dia 18 de maio;

Considerando que referida proposta, elaborada com um ano de atraso do início da pandemia, sem a participação da sociedade civil, e com diretrizes mal redigidas, inverte a lógica de prioridades para o enfrentamento à Covid-19 e no lugar de medidas para fortalecer o SUS e reduzir as mortes por Covid em todo o país, foca em ampliar o acesso a planos privados de saúde em troca de reduzir parâmetros de qualidade e integralidade do modelo de atenção, o que não atende ao interesse público;

Considerando também que na 1ª onda da pandemia, ocorrida em 2020, frente à lotação de leitos no SUS, o setor privado de saúde brasileiro optou por manter leitos ociosos e se recusou a disponibilizar a rede privada para o enfrentamento à pandemia, em desatenção à Recomendação nº 26/2020 deste Conselho Nacional de Saúde;

Considerando que, mesmo dispondo de mais da metade dos leitos hospitalares do país, segundo o CNES/MS, e atendendo apenas a um quarto da população, representantes de hospitais privados e planos de saúde se opuseram publicamente contra a Recomendação nº 26/20 deste CNS, no sentido de estabelecer uma fila única de leitos, o que teria evitado mortes e agravamento de muitos pacientes por Covid-19;

Considerando ainda que o setor de planos de saúde, embora atenda um quarto da população, respondeu por apenas 7% do total das testagens para diagnóstico da Covid-19 feitas em 2020, conforme ampla divulgação dos meios de comunicação do país;

Considerando as atribuições conferidas ao Presidente do Conselho Nacional de Saúde pela Resolução CNS nº 407, de 12 de setembro de 2008, art. 13, Inciso VI, que lhe possibilita decidir, ad referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Pleno em reunião subsequente.

Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde

Ao Ministério da Saúde:

A rejeição, na integralidade, do texto da consulta pública, realizada pelo Ministério da Saúde, sobre a denominada “Política Nacional de Saúde Suplementar Para o Enfrentamento da Pandemia da Covid-19”, nos termos do parecer técnico em anexo.

Ao Congresso Nacional:

Que realize audiências públicas para debater o tema, inclusive com pedido de esclarecimento do Ministério da Saúde quanto a esta consulta na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a pandemia da COVID-19.

Aos Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde:

Que se posicionem pela rejeição, na integralidade, da proposta submetida à consulta pública pelo Ministério da Saúde, nos termos do parecer técnico em anexo.

Ao Conselho Nacional do Ministério Público:

Que abra procedimento quanto à investigação de inconstitucionalidade da proposta do Ministério da Saúde quanto à criação da denominada “Política Nacional de Saúde Suplementar Para o Enfrentamento da Pandemia da Covid-19”. 

 

FERNANDO ZASSO PIGATTO
Presidente do Conselho Nacional de Saúde

 

PARECER TÉCNICO Nº 029/2020

Dispõe sobre a análise da Comissão Intersetorial de Saúde Suplementar do CNS quanto ao texto da consulta pública, realizada pelo Ministério da Saúde sobre a denominada “Política Nacional de Saúde Suplementar Para o Enfrentamento da Pandemia da Covid-19”.

OBJETO

Em 30 de abril, após reunião do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), o Ministério da Saúde lançou, na plataforma digital “Participa + Brasil”, do governo federal, uma consulta pública, sobre a denominada “Política Nacional de Saúde Suplementar Para o Enfrentamento da Pandemia da Covid-19”. A Consulta permite contribuições até o dia 18 de maio.

Deste modo, este Conselho Nacional de Saúde, vem, então, a público, oferecer o seguinte parecer técnico acerca da PNSS, no intuito de auxiliar conselheiros nacionais de saúde, Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde e a toda a sociedade a se posicionar e contribuir para a Consulta Pública, nos termos a seguir.

ANÁLISE DOS ARTIGOS PROPOSTOS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA A CRIAÇÃO DA NOVA POLÍTICA DE SAÚDE

De pronto, registre-se que a análise aqui feita fundamenta-se na Nota Técnica elaborada pelo Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde (GEPS) acerca da Política Nacional de Saúde Suplementar para o Enfrentamento da Covid-19 – PNSS. Assim, para cada um dos artigos propostos, segue-se uma análise técnica deste Conselho. Deste modo, a análise detém-se ao quanto disposto nas previsões da minuta objeto de consulta pública, sem desconsiderar a centralidade do SUS e dos princípios que o orientam, ou seja, a universalidade, a integralidade e a equidade.

Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Saúde Suplementar para o Enfrentamento da Covid-19 - PNSS-Covid-19, com a finalidade de integrar as ações de Saúde Suplementar no enfrentamento à Covid-19.

A proposta de “integrar as ações de Saúde Suplementar no enfrentamento à Covid-19” ignora o cotidiano de usuários deste serviço e não prevê regular as práticas dos planos privados, mas sim agenciar o SUS para alavancar esse mercado. A diretriz também ignora as dificuldades de integração decorrentes do caráter nitidamente concentrado deste mercado, em termos geográficos (as proporções de usuários variam entre 41% em São Paulo a 5% no Acre), da disparidade de oferta de serviços e nas diferenças de renda de suas clientelas.

Art. 2º São princípios da PNSS-Covid-19:

I - respeito à dignidade da pessoa humana;

II - integração com o Sistema Único de Saúde - SUS;

III - excelência da prestação de serviços de saúde;

IV - transparência nas informações à sociedade;

V - responsabilidade econômico-financeira; e

VI - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor.

A proposta prevista no Art. 2º da Política desconsidera o princípio essencial do direito universal à saúde e a integralidade, inscrito na Constituição de 1988.  A “integração com o SUS” sugerida como princípio, é pouco clara e não aborda a relação historicamente predatória que o mercado de planos de saúde tem com o SUS, colocando este último em uma posição de anteparo de negócios e resseguro de transações empresariais.

Art. 3º São objetivos da PNSS-Covid-19:

I - integrar o sistema de Saúde Suplementar com as ações do Sistema Único de Saúde – SUS relacionadas à pandemia do COVID-19.

Os valores e as práticas do SUS e dos planos privados são heterogêneos e, na maioria das vezes, divergentes, o que inviabiliza a proposta de “integração”. Qualquer aproximação dependeria da adoção da saúde como um bem comum, ou seja, da premissa de que todos terão acesso a cuidados efetivos e de qualidade, de acordo com as necessidades e gravidade de quadros clínicos, e não conforme a capacidade direta ou indireta de pagamento.

Significaria, assim, inverter o padrão assistencial predominante hoje no Brasil, segregado e estratificado entre ricos e pobres. A proposta vislumbra uma integração reversa, na qual o SUS entra como coadjuvante e as operadoras se apresentam como protagonistas do sistema de saúde.

II - promover o atendimento à saúde objetivando o melhor desfecho clínico, com o custo adequado e atenção especial à experiência do paciente.

Os planos de saúde comercializam o atendimento sintomático e curativo a demandas espontâneas, cujos procedimentos e tratamentos serão ou não autorizados em estabelecimentos de saúde. A estrutura assistencial dos planos privados não inclui medidas que previnam a exposição a riscos.

As redes prestadoras de serviços possuem qualidade distintas, de acordo com os tipos e preços de planos. Esse modus operandi leva a desfechos ineficazes, tais como: descontinuidade de tratamentos, indefinição de responsabilidades e conflitos entre operadoras, profissionais de saúde e pacientes.

III - garantir o atendimento à saúde em prazos razoáveis, condizentes às necessidades do paciente e aos contratos, observada a sua função social e vulnerabilidade do consumidor.

Os prazos máximos de atendimento ao usuário da saúde suplementar já são definidos no Art. 3º da RN 259/2011 da ANS, embora adiar agendamentos seja um mecanismo estruturante de um mercado que sempre impôs barreiras de acesso.  Esse item da proposta pode ser fundamento para remover a previsão da RN 259/2011 da ANS, de prazos máximos para o atendimento, uma vez que esta é uma das poucas formas pelas quais a agência reguladora avalia a qualidade da cobertura e a suficiência da assistência.

IV - proporcionar ambiente de intermediação buscando a solução de conflitos no relacionamento entre operadoras e prestadores de serviços de saúde.

Dado o seu emprego nesta previsão, “intermediação”, aqui, é utilizado como um termo vago que não circunscreve um sentido preciso, dada a sua polissemia. Exemplificativamente, esse termo pode representar ações que indicam desde barreiras ao acesso à justiça até a possibilidade de aumentar a interferência das operadoras nas condutas dos médicos e profissionais de saúde.

Ressalte-se que as relações entre médicos e pacientes já são regidas por instituições e conselhos profissionais, o que pode indicar que as tentativas de impor regras para o relacionamento entre médicos e operadoras não visa à transparência, muito menos a segurança dos pacientes, mas sim a manutenção ou rompimento de contratos de prestação de serviços.

V - garantir a previsibilidade dos reajustes das contraprestações na Saúde Suplementar, e

Para usuários de planos de saúde nada é mais previsível do que os reajustes das mensalidades. Quanto a isso restam poucas dúvidas: os aumentos são sempre propostos acima da inflação, no aniversário do plano e na mudança de faixa etária. Ademais, via de regra, é liberado na grande maioria dos contratos, inclusive, nos chamados “planos falsos coletivos” e coletivos por adesão que substituíram os planos individuais, praticamente extintos do mercado, com autorização da ANS.

Não por acaso a elevação das receitas das operadoras ocorre mesmo quando há redução do número de usuários. Abusos nos reajustes têm sido um problema frequente, especialmente para pessoas com doenças graves, que se veem ameaçadas na manutenção do tratamento.

A solução para essa situação já foi apresentada em inúmeros fóruns: é inadiável definir um parâmetro único para reajustes. Isso porque, os planos de saúde são baseados no mutualismo e em cálculos de riscos comunitários, pressupondo a diluição dos riscos entre todos os participantes. Sendo assim, é um contrassenso penalizar com maiores reajustes os idosos, doentes e integrantes de contratos desregulados.

VI - contribuir para o desenvolvimento sustentável do setor de saúde privada do país.

O setor suplementar tem mostrado um incremento notável e contracíclico ao longo da história. Cresceu em número de usuários e em faturamento até nas denominadas décadas perdidas dos anos 1980 e 1990, e seguiu apresentando uma trajetória de expansão nos anos seguintes. Recentemente, em plena superposição das crises econômica e sanitária, os planos de saúde aumentaram suas receitas, entraram na bolsa de valores, promoveram grandes aquisições e fusões.

Não há justificativa plausível para o apoio governamental ao setor privado de saúde em um país que tem o SUS e a saúde como um direito de todos e dever do Estado. A proposição de suportes públicos para ampliar a privatização da saúde, num país tão desigual como o Brasil, é procedimento tanto ilegal quanto imoral.

Art. 4º São diretrizes gerais da PNSS-Covid-19:

I - estabelecimento de ações que visem o desestímulo ao atendimento de beneficiários de planos de saúde no SUS, no limite das coberturas contratadas.

Propositalmente ambígua, a redação do primeiro inciso do Art. 4º da PNSS-Covid-19 remete a planos com coberturas mínimas e fortes barreiras de acesso, tendo o SUS como “garantia”. Nesses termos, o plano privado cobriria apenas as consultas com generalistas e exames menos dispendiosos, reservando-se todas as demais ações à resolução pelo SUS.

Pode-se até supor que se criaria uma ordem na qual o SUS seria alocado como porta de entrada dos clientes dos planos de saúde, que, assim, não seriam importunados pela Justiça em termos das barreiras de acesso. Atualmente, propagandas de operadoras já incluem hospitais de emergência públicos como integrantes de suas redes assistenciais. Com a PNSS-Covid-19, é como se o projeto seria o de “oficializar” a rede pública como retaguarda permanente, ou seja, haveria uma divisão de ações, na qual os planos ficam com o baixo custo e o SUS arca com tudo mais.

II - monitoramento e integração das informações da rede privada de serviços de saúde ao SUS, em especial com relação aos dados de atenção à saúde e ocupação de leitos.

É relevante estabelecer uma base comum de informações para o monitoramento do acesso e qualidade da atenção à saúde no país. No entanto, esse monitoramento não pode servir para facilitar o ingresso de clientes de planos no SUS. Além disso, é de conhecimento geral que considerável volume de recursos públicos já foi investido em sistemas de informação, invariavelmente, implementados parcialmente ou descontinuados.

Informação em saúde é um direito de toda a sociedade e uma atribuição do Ministério da Saúde e não da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).  Em que pese os esforços de organização e divulgação de informações pelo corpo técnico da ANS, a agência hoje restringe acesso a dados sobre preços e reajustes, por exemplo, mesmo solicitados pela Lei de Acesso à Informação, impedindo relacionar valor de mensalidades com o uso e ocupação de serviços de saúde.

III - empreendimento de ações que visem a garantir o atendimento, em prazos razoáveis, às necessidades de tratamento dos pacientes.

A expressão “razoáveis” embute a pretensão de não estabelecer prazos precisos, o que leva pacientes a não obterem cuidados em tempo oportuno para seus problemas de saúde. Os planos “baratos” e com coberturas restritas não são compatíveis com garantias mínimas. E para que existam, assegurando retornos máximos aos investimentos das operadoras, requerem o ambiente de total desregulamentação almejado.

IV - estabelecimento de mecanismos que busquem reforçar o cumprimento das coberturas contratadas pelos consumidores.

Planos com coberturas reduzidas, ou seja, somente aquelas consignadas nos contratos, aumentariam o número de clientes do segmento suplementar e traria mais retornos financeiros às operadoras. Todavia, embora as restrições radicais de cobertura tornem atrativo o preço de mensalidades num primeiro momento, posteriormente, quando ocorre o adoecimento, essas restrições tendem a gerar gastos exorbitantes e a busca tardia do SUS por indivíduos e famílias, assim, desprovidos de alternativas.

V - estabelecimento de mecanismos que busquem solucionar conflitos no relacionamento entre operadoras e prestadores de serviços de saúde.

Atualmente o setor de saúde suplementar é complexo, tendo em vista a existência de estreitas relações entre prestadores e operadoras, que determinam protocolos assistenciais e valores de remuneração, nem sempre compatíveis com a ética profissional e as necessidades de saúde. Não se trata de atenuar conflitos e tamponar tensões, a tarefa urgente é a de conferir transparência aos acordos sobre a prestação de serviços e a remuneração, inclusive de procedimentos, que têm a mesma denominação, mas são sub ou sobrevalorizados conforme o tipo de plano.

VI - promoção da transparência das informações acerca dos reajustes das contraprestações à sociedade.

Diante do já exposto na PNSS-Covid-19, a ideia subjacente à palavra “transparência” obedece a uma só compreensão: a de reajustes anuais para contratos individuais e coletivos, baseados na variação dos custos médico-hospitalares e das novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas. As operadoras poderiam, assim, definir reajustes diferenciados conforme a região e em função do tipo de plano, com a venda de módulos segmentados de cobertura e padrões distintos da rede credenciada.

VII - promoção de ambiente regulatório que fomente o aumento do acesso ao setor de saúde suplementar; e

A proposição desse ambiente regulatório pode representar um alto risco à segurança dos usuários da saúde suplementar no Brasil. Há que se observar muito cuidadosamente como se daria o fomento para a ampliação do acesso a esse setor sem o risco de haver interdição do direito de recorrer à justiça em busca de garantias previstas nos contratos.

As ações judiciais têm sido fundamentais para conter reajustes abusivos, assegurar coberturas negadas pelos planos, manter pacientes em leitos de terapia intensiva e realizar procedimentos terapêuticos comprovadamente eficazes para cânceres e outras doenças. Sendo assim, qualquer alteração regulatória não pode incidir na limitação ao direito constitucional de acesso à justiça e o consequente desempenho eficaz das competências dos órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público.

VIII - reforço de garantias financeiras, por meio de instrumentos de regulação prudencial, das operações no setor de saúde suplementar.

Garantias financeiras, com liquidez, são exigidas para todas as instituições de natureza securitária. Afinal, não se pode fazer face a despesas acima de incrementos previsíveis. A ANS definiu exigências, bem como penalidades, visando a apresentação de planos de contas das operadoras, com demonstrações de ativos e passivos. Versões anteriores de propostas empresariais queriam suprimir punições e multas às operadoras, como se a ação de fiscalização da ANS fosse uma ameaça aos requerimentos prudenciais da atividade do setor.

Art. 5º As ações da PNSS-Covid-19 serão elaboradas e apresentadas ao CONSU pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, no prazo de 30 (trinta dias) da aprovação da presente resolução e deverão prever o prazo para a implementação e a estratégia de monitoramento e de avaliação.

Querem atribuir ao CONSU um papel hierarquicamente superior ao da ANS. O CONSU, uma instância consultiva, passaria a arbitrar conflitos e celebrar termos de mediação envolvendo a regulamentação dos planos de saúde. A ANS é a instância executiva encarregada da regulação dos planos de saúde e o CONSU, integrado por membros de ministérios e indicados do governo federal, é um órgão de natureza política.  Não é atribuição do CONSU encomendar para a ANS um plano para a expansão do setor privado.  A existência da ANS só se justifica como agência reguladora e não enquanto órgão público pró-mercado.

Art. 6º Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.

Diante do já escrutinado aqui, é razoável supor que a PNSS-Covid-19 é mais uma tentativa de “passar a boiada” , de mudar a legislação para assegurar a comercialização de planos com coberturas restritas, por meio de expedientes administrativos, mediante a convocação e mobilização do CONSU   É mais uma manobra para evitar o debate franco e aberto, mais um episódio protagonizado pela “coalizão” entre empresários, autoridades governamentais e parlamentares, que se tornaram conhecidos por palavras e gestos contra a ciência, os direitos humanos e a democracia.

CONCLUSÃO

Por fim, conclui-se que, desde o início da pandemia, o setor privado, a ANS e o CONSU não têm conseguido coordenar nem oferecer respostas suficientes à crise sanitária para os clientes, tampouco para a relação deste setor privado com o SUS. Como demonstração desta assertiva, basta se recordar que não houve cessão de leitos disponíveis para atendimento de pacientes em fila única com o SUS, não houve ampla testagem da Covid-19 para os usuários de planos de saúde, bem como, foi inexistente a adoção de medidas que diminuíssem o impacto da crise econômica para os usuários, frente a resultados financeiros deliberadamente positivos para as operadoras de planos de saúde.

De outro modo, houve o enriquecimento do setor privado, como se registrou na Revista Forbes com os novos bilionários do país. De acordo com essa publicação, de fevereiro de 2020 a março de 2021 entre aqueles que enriqueceram desproporcionalmente estão os donos da rede privada de hospitais, de laboratórios privados, de farmácias e de operadoras de planos privados de saúde.

A proposta PNSS-Covid-19, nesse contexto, utiliza a pandemia como justificativa para emplacar uma agenda de fortalecimento do mercado de saúde suplementar em detrimento do SUS. Além do prazo insuficiente para uma discussão dessa envergadura, de apenas dez dias, estamos diante de uma proposta extremamente genérica e inócua.

 Assim o é não só por chegar com mais de um ano de atraso em relação aos efeitos da pandemia, mas também por ignorar as principais demandas dos usuários de planos de saúde. Demandas estas relacionadas, sobretudo, aos reajustes e ao atendimento. De outro modo, a proposta se configura como um cheque em branco para empresas que trabalham pelos próprios interesses desde o início da pandemia.

 

COMISSÃO INTERSETORIAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR-CNS
Brasília, 17 de maio de 2021.

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