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RECOMENDAÇÃO Nº 017, DE 30 DE JUNHO DE 2022

Recomenda a revogação do manual “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento” do Ministério da Saúde.

O Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Trecentésima Trigésima Primeira Reunião Ordinária, realizada nos dias 29 e 30 de junho de 2022, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, da legislação brasileira correlata; e

Considerando que o Art. 5º da Constituição Federal estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]” e que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; 

Considerando o disposto no caput do Art. 196 da Constituição Federal de 1988, que determina a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação;

Considerando a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e a Lei nº 8.142, de 12 de setembro de 1990, que definem a saúde como um direito fundamental de todo ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício; 

Considerando que, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas de 2015, em Nova York, foi lançada a Estratégia Global para a Saúde das Mulheres, das Crianças e dos Adolescentes 2016-2030, que tem como parte de suas ações assegurar a cobertura de saúde para atenção integral à saúde reprodutiva, materna e neonatal e abordar todas as causas de mortalidade materna, morbidades reprodutivas e maternas e deficiências relacionadas; 

Considerando que os organismos internacionais de saúde, através dos ODS, em seu Objetivo 3 – Saúde e Bem-estar e Indicador 3.1.1 - Razão de mortalidade materna, pactuam a meta internacional de até 2030, reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100.000 nascidos vivos e a meta 3.7, de assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais;

Considerando que a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em Viena (1993), a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em Viena (1993), Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, no Cairo (1994), e a 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, em Beijing (1995), estabeleceram que os direitos reprodutivos incluem o direito de toda pessoa a ter controle e decisão sobre as questões relativas à sua sexualidade e reprodução, livres de coerção, discriminação e violência, e de dispor de informações que lhes garantam à saúde sexual e reprodutiva e que o Brasil é signatário das deliberações dessas conferências;

Considerando a proposta da 16ª Conferência Nacional de Saúde que pautou a necessidade de “[...]  Garantir a partir da Atenção Básica o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva da mulher, fortalecendo o planejamento reprodutivo, a prevenção e o tratamento de IST/Aids, garantindo os procedimentos médicos relacionados à função reprodutora e as suas interrupções e/ou contracepções, de forma que a mulher tenha autonomia sobre os procedimentos, garantindo a humanização do parto, com foco nas especificidades raciais, sociais, culturais e de orientação sexual”;

Considerando que o Decreto nº 7.958, de 13 de março de 2013, que estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), define que cabe ao Ministério da Saúde apoiar a estruturação e as ações para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual no SUS, bem como capacitar os profissionais e gestores de saúde para atendimento humanizado, inclusive nas situações de interrupção da gravidez nos  casos previstos em lei;

 Considerando a Norma Técnica “Atenção Humanizada ao Abortamento” de 2005, que elimina a exigência de Boletim de Ocorrência para a realização do aborto em vítimas de violência sexual, entendendo que o Código Penal não estabelece procedimentos policiais ou jurídicos como pré-requisito de acesso ao serviço;

Considerando a “Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes” relata que o abortamento inseguro acarreta agravamento nas condições de morbidade mortalidade materna e que, no entanto, se realizado de forma apropriada com profissionais de saúde capacitados, o abortamento induzido é um procedimento considerado seguro, com riscos muito pequenos se comparado com outros procedimentos médicos;

 Considerando que segundo os dados do worldometer.info, o aborto foi a maior causa de mortes maternas em 2021, sendo que a morte materna causada por abortos correspondeu a 45,21% do total de mortes no período, enquanto 17,81% se deu entre mulheres brancas, de acordo com o dossiê “Mulheres Negras e Justiça Reprodutiva”, da ONG Criola;

Considerando que o Art. 128 do Código Penal dispõe que não será objeto de punição o aborto praticado por médico quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e quando o aborto no caso de gravidez é resultante de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal;

Considerando a Recomendação do CNS nº 064/2020, que recomenda ao Congresso Nacional a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo nº 409/2020, que susta os efeitos da Portaria nº 2.561, de 23 de setembro de 2020, do Ministério da Saúde, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei;

Considerando a Recomendação CNS nº 009/2021, que recomenda ao Ministério da Saúde que garanta a participação do Conselho Nacional de Saúde, enquanto órgão de caráter permanente e deliberativo do SUS, na construção das políticas nacionais de saúde voltadas para as mulheres;

Considerando que, em 07 de junho de 2022, o Ministério da Saúde lançou o manual “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento” da Secretaria de Atenção Primária à Saúde – Ministério da Saúde que traz em sua redação afirmações incorretas sobre o aborto previsto em lei, causando assim insegurança jurídica e séria ameaça à autonomia dos profissionais de saúde no atendimento às mulheres, adolescentes e crianças vítimas de violência sexual que optem pela interrupção da gravidez decorrente do estupro;

Considerando as diversas notas de repúdio das entidades representativas das categorias da saúde e da comunidade científica sobre o manual Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento do Ministério da Saúde;

Considerando a ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de entidades de saúde e bioética de autoria do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Rede Unida, com pedido de liminar para derrubar o manual de Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento; e

Considerando os debates ocorridos na Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher (CISMu) do Conselho Nacional de Saúde, que apontam a necessidade de aprofundar o debate sobre o tema.

 

Recomenda

Ao Ministério da Saúde:

Que suspenda o manual “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento” da Secretaria de Atenção Primária à Saúde e que inclua o Conselho Nacional de Saúde em todos os espaços de debate, como audiências públicas e reuniões, sobre as pautas relacionadas às políticas voltadas para a saúde das mulheres.

 

Às entidades representativas de classe:

Que pautem a discussão sobre a formação e capacitação dos profissionais de saúde para assistência às vítimas de violência sexual e condutas em casos de abortamento.

Ao Congresso Nacional:

Que realize audiências públicas para debater o tema com a participação do controle social em saúde.

Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Trecentésima Trigésima Primeira Reunião Ordinária, realizada nos dias 29 e 30 de junho de 2022.

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