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RECOMENDAÇÃO Nº 057, DE 27 DE AGOSTO DE 2020.

Recomenda a adoção de medidas e debate em torno da regulamentação da Lei nº 14.016/2020, que dispõe sobre a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano.

O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento Interno do CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e 

Considerando a publicação da Lei nº 14.016, de 23 de junho de 2020, que dispõe sobre o combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano;

Considerando que o direito à alimentação adequada é o direito humano inerente a todas as pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, quer diretamente ou por meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes às tradições culturais do seu povo e que garantam uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual e coletiva (ONU, 2002);

Considerando as dimensões indivisíveis do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável (DHAA) de estar livre da fome e da má nutrição e ter acesso a uma alimentação saudável, apontadas nos tratados internacionais de direitos humanos;

Considerando que Segurança Alimentar e Nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (Art. 3º, Lei nº 11.346/2006 – Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - LOSAN);

Considerando que a doação de alimentos trata-se de ação emergencial para garantir o acesso aos alimentos para pessoas que estejam em situação de vulnerabilidade econômica e social que as impeça de prover alimentos para si e/ou para seus dependentes, mas que nunca deve substituir o papel do Estado na implementação de políticas públicas de garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada a todos os cidadãos;

Considerando que a doação de alimentos deve ocorrer de forma responsável pelos doadores sempre prezando pela proteção da saúde dos destinatários das doações;

Considerando que as perdas e desperdícios de alimentos decorrem de problemas oriundos dos vários pontos da cadeia alimentar (desde o campo, transporte, embalagem, armazenamento, comercialização, preparo para o consumo: quer seja doméstico, comercial ou institucional, distribuição e exposição à venda), e que doações de excedentes é uma solução que não implica em políticas públicas corretivas das perdas e desperdício;

Considerando que a adesão aos tratados internacionais de direitos, impõe ao Estado brasileiro, três tipos ou níveis de obrigações: as obrigações de respeitar, proteger e satisfazer o direito e que essas obrigações também devem existir no caso de vítimas de desastres naturais ou provocados por causas diversas, como configura a pandemia COVID-19;

Considerando que o direito à alimentação adequada consiste na disponibilidade do alimento, em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer as necessidades dietéticas das pessoas, livre de substâncias adversas e aceitável para uma dada cultura e na acessibilidade ao alimento de forma sustentável e que não interfira com a fruição de outros direitos humanos;

Considerando que a necessidade de estar livre de substâncias ou agentes de origem biológica, química ou física, adversos ao alimento, estabelece requisitos para a segurança do alimento e para um conjunto de medidas, públicas e privadas, destinadas a impedir a adulteração, bem como a contaminação do alimento decorrente de más condições higiênico-sanitárias, em qualquer etapa da cadeia alimentar, e que é preciso tomar cuidados específicos para impedir a proliferação microbiana e destruir suas possíveis toxinas que ocorrem quando o binômio tempo-temperatura não é respeitado;

Considerando o alto risco sanitário da doação de alimentos, em particular, das refeições prontas para consumo, autorizadas pela Lei nº 14.016, de 23 de junho de 2020, cujos beneficiários “...serão pessoas, famílias ou grupos em situação de vulnerabilidade ou de risco alimentar ou nutricional” (Art.2º), reconhecidamente pessoas  com condições de saúde física, mental, imunológica, fisiológica precárias, o que as colocam em vulnerabilidade ainda maior à diversas morbidades e a mortalidade;

Considerando a Recomendação CNS nº 034, de 07 de maio de 2020, que recomenda medidas para garantir uma produção sustentável, distribuição e doação de alimentos, com respeito à natureza e aos direitos dos agricultores familiares, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais;

Considerando que mesmo sendo uma lei de eficácia plena, há necessidade de regulamentação da Lei nº 14.016/2020, haja vista à necessária proteção da saúde, bem estar e dignidade dos destinatários das doações; e

Considerando as atribuições conferidas ao presidente do Conselho Nacional de Saúde pela Resolução CNS nº 407, de 12 de setembro de 2008, Art. 13, inciso VI, que lhe possibilita decidir, ad referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Pleno em reunião subsequente.

Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde

À Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA):

I - Que estabeleça, em caráter de urgência, a regulamentação complementar dos critérios de doação estabelecidos pela Lei nº 14.016, de 23 de junho de 2020, considerando, inclusive, o disposto nas RDC 275/2002 e RDC 216/04, em especial para refeições prontas para consumo e alimentos industrializados, ouvidos a sociedade civil e este Conselho Nacional de Saúde;

II - Que a regulamentação da Lei nº 14.016/2020 tenha por base as diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira e do Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos;

III - Que estabeleça, no instrumento regulatório, os impedimentos de doação de alimentos e preparações com elevado risco de contaminação e de intoxicação alimentar;

IV - Que estabeleça as condições para doação dos alimentos incluindo esclarecimentos sobre termos técnicos e outros fundamentais para o cumprimento da lei (produtos industrializados, sobras limpas, resto-ingesta);

V - Que sejam definidos critérios para doações de produtos destinados à primeira infância,  conforme disposto no §1º do Art. 9º da Lei 11.265, de 03 de janeiro de 2006 (Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para lactentes e crianças de primeira infância, bicos, chupetas e protetores de mamilo - NBCAL), e no Decreto nº 8.552, de 03 de novembro de 2015 (como o Art. 9º que disciplina que: “São proibidas doações ou vendas a preços reduzidos dos produtos abrangidos por este Decreto às maternidades e às instituições que prestem assistência a crianças. §1º A proibição não se aplica às doações ou às vendas a preços reduzidos em situações de excepcional necessidade individual ou coletiva, a critério da autoridade fiscalizadora”);

VI - Que divulgue, amplamente, material informativo sobre as boas práticas para municípios, estados, entidades não governamentais, rede Sistema Único de Assistência Social (SUAS), procuradorias e defensorias públicas; e

VII - Que se estabeleça, no âmbito do Sistema da Vigilância Sanitária (Sistema VISA), canais de recebimento de denúncias sobre violação das normas sanitárias nas doações e episódios de intoxicação alimentar decorrente das doações.

Ao Ministério Público Federal, dos estados e do Distrito Federal e territórios:

I - Que se estabeleça, no âmbito do MP, canais de recebimento de denúncias sobre violação das normas sanitárias e  de episódios de intoxicação alimentar decorrente das doações previstas na Lei nº 14.016, de 23 de junho de 2020, o que  pode vir a caracterizar clara violação do DHAA dos destinatários das doações; e

II - Que realizem audiências públicas para tratar da implicação, responsabilidades e consequências da lei sancionada, envolvendo organizações locais não governamentais que fazem doação ou oferta de alimentos locais, empresariado da área de alimentos,  sistema VISA nos estados e municípios, conselhos de saúde, de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e de Assistência Social; conselhos federais e regionais de profissionais de saúde (nutrição, farmácia, assistência social, entre outros).

Aos conselhos de saúde municipais, estaduais e do Distrito Federal:

Que realizem discussões sobre a Lei nº 14.016/2020 e recomendem ao Poder Executivo Local, por meio do respectivo sistema VISA, a emissão de regulamentos, informativos ou notas técnicas, que orientem doadores e recebedores de alimentos doados sobre as boas práticas de manipulação e conservação, a fim de reduzir o risco e possíveis agravos à saúde dos potenciais destinatários das doações.

 

FERNANDO ZASSO PIGATTO

Presidente do Conselho Nacional de Saúde

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