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RECOMENDAÇÃO Nº 029, DE 20 DE OUTUBRO DE 2022.

 

 

Recomenda ações que se contraponham as ameaças de abastecimento do antirretroviral Dolutegravir em 2023, bloqueando a compra de genéricos.

 

O Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Trecentésima Trigésima Quinta Reunião Ordinária, realizada nos dias 19 e 20 de outubro de 2022, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, da legislação brasileira correlata; e

Considerando o Art. 1º da Constituição Federal de 1988, que prevê como fundamentos do Estado, a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana;

Considerando o Art. 196 da Constituição Federal, que define a “saúde como direito de todos e dever do Estado”, com a “redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”;

Considerando as premissas basilares segundo as quais o medicamento deve ser um insumo garantidor do direito, portanto fundamental para qualquer nação que tem que assegurar a saúde de seu povo e de que a propriedade intelectual deve ser um instrumento para o desenvolvimento da sociedade e da soberania dos povos;

Considerando que o Dolutegravir é um antirretroviral usado via oral no tratamento do HIV/ AIDS, devido a sua efetividade, tolerabilidade, alta barreira a resistência e bons resultados em outros países, foi incorporado para uso no país no final de 2016, como opção para o tratamento inicial;

Considerando que, de acordo com o Ministério da Saúde, atualmente, cerca de 460.447 pessoas utilizam o medicamento Dolutegravir na terapia antirretroviral contra o HIV/Aids, sendo um dos mais importantes no controle da doença;

Considerando que o medicamento é produzido no Brasil através da parceria entre o Laboratório Federal do Estado de Pernambuco (Lafepe) e a empresa nacional Blanver (versão genérica), e ainda por meio de uma parceria estratégica entre Farmanguinhos/Fiocruz e a empresa estrangeira ViiV healthcare/GSK (versão de marca), e que o abastecimento regular e suficiente, tal como a manutenção de preços sustentáveis, depende da participação de ambos os fornecedores em futuros processos licitatórios;

Considerando que o Ministério da Saúde previu para 2022 a compra de 79,5 milhões de unidades produzidas pelo Lafepe (Contrato nº 273/2021) e de 79,5 milhões de comprimidos produzidos por Farmanguinhos (4º Termo Aditivo ao Acordo de Cooperação Técnica (ACT) nº 2/2019 - 25000.025551/2019-25), mas que a compra das unidades do Lafepe foi questionada tanto na esfera judicial quanto administrativa pela empresa ViiV healthcare;

Considerando que, em março de 2022, de acordo com matéria disponibilizada pelo Jornal O Globo, o quantitativo do medicamento em estoque no MS correspondia a menos de um mês do consumo médio nacional, uma vez que o início das entregas não foi cumprido pelos laboratórios: Farmanguinhos, em função da postergação da entrega da 1ª parcela para 15 de março de 2022, devido a entraves na sua capacidade produtiva; e Lafepe, em função de toda a incerteza gerada pelas ameaças da titular da patente, que prejudicaram a continuidade do Contrato nº 273/2021;

Considerando que a contratação desse antirretroviral pelo Lafepe, que produz o medicamento genérico, representa uma economia de R$ 38 milhões devido à diferença de preço entre o Lafepe (R$ 4,10/comprimido) e Farmanguinhos (R$ 4,58/comprimido);

Considerando o grave risco de desabastecimento desses medicamentos e o recurso público aplicado para a produção por laboratório oficial;

Considerando que a previsão orçamentária para o atendimento à população com relação à prevenção, controle e tratamento do HIV/AIDS para o ano de 2023, independentemente das variações cambiais e correções monetárias e da própria demanda crescente, é menor do que a do ano de 2022, representando um decréscimo de quase R$ 407 milhões de reais;

Considerando que, de acordo com levantamento da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), a regra do teto de gastos, que impediu aumento real (acima da inflação) das despesas na área, retirou R$ 36,9 bilhões do SUS, entre 2018 e 2022, e deve retirar outros R$ 22,7 bilhões em 2023;

Considerando que a redução de preços de medicamentos por meio da concorrência é essencial para assegurar a continuidade de programas de acesso gratuito a tratamentos no SUS;

Considerando-se que a validade da patente, que supostamente protege o Dolutegravir, está sendo questionada tanto no âmbito administrativo como judicial, entretanto, a empresa detentora da patente (ViiV) atua para estabelecer um monopólio e impossibilitar a compra pelo Ministério da Saúde do genérico produzido pelo Lafepe;

Considerando que em 2018 o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) deu parecer contrário ao pedido de patente da farmacêutica japonesa Shionogic & LTD e da VIIV Healthcare Company, dos Estados Unidos, para o medicamento Dolutegravir (PI0610030-9) e que a falta de atividade inventiva foi confirmada no parecer do INPI;

Considerando que o exame realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao pedido de extensão de patente do Dolutegravir, identificou a ausência de novidade na substância;

Considerando que em 2020 o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão responsável pelo exame de patentes no Brasil, alterou substancialmente seu entendimento durante a análise do pedido de patente PI0610030-9, referente ao Dolutegravir, mudando sua decisão pela rejeição da patente para uma decisão pela aprovação, que é inconsistente com diversas opiniões técnicas emitidas pelo órgão;

Considerando que as ameaças propagadas pela ViiV, baseadas em uma patente frágil e questionável, estão criando um cenário de abastecimento incerto do Dolutegravir em 2023, com riscos de atrasos de entrega, preço elevado e prejuízos a continuidade do tratamento de milhares de cidadãos brasileiros; e

Considerando o Parecer Técnico nº 030/2021 do CNS, que dispõe sobre a licença compulsória para toda e qualquer tecnologia para atender os interesses sociais, diante da pandemia da Covid-19, a ser distribuído massivamente entre parlamentares, governantes, ministros e conselhos de saúde.

 

Recomenda

 

Ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial

Que declare administrativamente a nulidade da patente PI0610030-9, referente ao Dolutegravir, reconhecendo que ela não preenche os requisitos mínimos de patenteabilidade e apresenta gravíssimos riscos para a sustentabilidade das políticas públicas de saúde. 

 

À 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro

Que, em atenção ao processo 5005427-49.2022.4.02.5101/RJ, suspenda imediatamente os efeitos da patente PI0610030-9 e, posteriormente, declare judicialmente a sua nulidade, reconhecendo que ela não preenche os requisitos mínimos de patenteabilidade e garantindo assim acesso ao medicamento Dolutegravir, sem interrupção a tratamentos e sem onerar financeiramente o SUS.

 

Ao Ministério da Saúde

I - Que tome todas as medidas cabíveis para superar as barreiras impostas pela patente da ViiV e da Shionogi, inclusive o licenciamento compulsório das patentes e pedidos de patente relacionados ao Dolutegravir, com vistas a defender a sustentabilidade das políticas de acesso universal a tratamentos no SUS e a primazia do direito à saúde em relação aos direitos de propriedade intelectual; e

II - Que atue na execução de suas ações para garantir e ampliar o acesso da população a medicamentos que tenham qualidade, segurança e eficácia, que perpassa pela disponibilidade, em quantidades necessárias de tecnologias, que atendam às necessidades sociais, através da implementação efetiva da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, articulada a demais políticas públicas.

 

Ao Tribunal de Contas da União

Que monitore e acompanhe a execução dos contratos relacionados à aquisição do Dolutegravir, bem como os contratos relacionados ao repasse de recurso público aos laboratórios oficiais atuantes na produção deste medicamento.

 

Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Trecentésima Trigésima Quinta Reunião Ordinária, realizada nos dias 19 e 20 de outubro de 2022.

 

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