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Conferência Livre da saúde da pessoa com deficiência: conheça pontos de vista de quatro participantes

  • Publicado: Sexta, 28 de Abril de 2023, 15h45
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Mais do que participação, militantes envolvidos na Conferência Livre Nacional da saúde da pessoa com deficiência querem protagonismo

Está chegando a Conferência Livre Nacional com o tema ‘Amanhã vai ser outro dia - SUS e o compromisso ético com a saúde das pessoas com deficiência. A CLN será realizada neste sábado, dia 29 de abril de 2023, na ASFOC, no Campus de Manguinhos da Fiocruz, de 9h às 17h. As conferências livres são etapa preparatória da 17ª Conferência Nacional de Saúde, que será de 2 a 5 de julho, em Brasília. O espaço é acessível, haverá audiodescrição e interpretação em Libras. O público-alvo são usuários do SUS, trabalhadores e gestores de saúde e movimentos da sociedade civil organizada. Os interessados que não puderem comparecer presencialmente poderão participar remotamente através da plataforma Zoom. A programação da CLN está disponível. Confira aqui!
 
Em clima de expectativa, quatro militantes envolvidas nos preparativos da primeira conferência livre sobre o tema na história do SUS detalharam objetivos e prioridades de cada um dos eixos temáticos desta edição da Conferência Nacional de Saúde sob o ponto de vista da pessoa com deficiência. Vitória Bernardes, psicóloga e conselheira no CNS representando a AME - Amigos Múltiplos pela Esclerose, comentou o Eixo 1, “O Brasil que temos. O Brasil que queremos”. Já a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Rio de Janeiro (Comdef) e educadora, Cinthya Pereira Freitas, destrinchou o que considera prioritário dentro do Eixo 2, “O papel do controle social e dos movimentos sociais para salvar vidas”. O Eixo 3, “Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia”, ficou a cargo da doula, educadora perinatal, consultora de amamentação e introdução alimentar, Sabrina Lage. Por fim, Luciana Viegas, idealizadora do Vidas Negras com Deficiência Importam (VDNI), comentou o Eixo 4.
 
“É um evento importante e eu me interessei muito por fazer parte desse momento histórico. O mais interessante disso tudo é pensar a saúde das pessoas com deficiência a partir das pessoas com deficiência. Aquece o coração saber que lá estaremos tratando de uma forma séria, científica e com as próprias pessoas. Essa participação é fundamental. A troca entre a academia e a população minorizada me deixa muito feliz”, celebra Luciana Viegas, que é uma mulher autista. Na mesma linha, Cinthya Freitas, que é uma mulher cega, afirma que políticas públicas têm sucesso e garantia de êxito quando são baseadas no que o destinatário precisa. “É preciso se basear em dados de realidade trazidos pelas pessoas que são alvo da política. Aí está a importância de usufruir desse espaço de participação social, para que as ações respondam e respeitem os anseios das pessoas. O que garante o sucesso do resultado de uma conferência é que ela seja efetivamente um espaço de participação ativa política e de protagonismo”, destaca. 
Para Vitória Bernardes, que é cadeirante, o Brasil que queremos é um Brasil que reconheça que tem aumentado vivências de deficiências através das desigualdades que o próprio país aprofunda e que, além de compreender isso, aja para prevenir tais condições de adoecimento. “Então, o Brasil que temos é um Brasil que produz deficiências a partir das desigualdades e aí é preciso considerar perspectivas de gênero, raça e classe também. O racismo, misoginia e as desigualdades de classe empurram as pessoas para a vivência da deficiência, só que quando essas acessam os serviços de saúde são apagadas. Não temos dados fidedignos sobre as pessoas com deficiência dentro da saúde”, explica Vitória ao argumentar que é preciso reconhecer quem são as pessoas com deficiência dentro de uma perspectiva biopsicossocial, para entender quais são as políticas públicas necessárias em relação à saúde. 
Ao também se posicionar em defesa da abordagem integrativa por meio da avaliação biopsicossocial, a mãe e doula surda Sabrina Lage defende o combate à visão biomédica e quebra do paradigma de que as pessoas com deficiência se resumem a limitações funcionais. “É preciso considerar as pluralidades e especificidades das pessoas com deficiência, promover ações educativas e de conscientização com enfoque anticapacitista com vistas à eliminação das barreiras sociais e atitudinais no que tange às pessoas com deficiência. Além disso, também é fundamental implementar ações que garantam acesso à saúde, considerando as necessidades específicas das pessoas por meio de recursos de tecnologia assistiva e por pessoas qualificadas para prestar atendimento nos três níveis de atenção à saúde - língua de sinais brasileira, braile, leitor de tela, linguagem simples, legenda com descrição de áudio, etc”, defende Sabrina.
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Confira abaixo outros trechos das entrevistas com Vitória, Cinthya, Sabrina e Luciana. 
Eixo 1: ‘O Brasil que temos. O Brasil que queremos’, por Vitória Bernardes.
Dentro do eixo ‘O Brasil que temos. O Brasil que queremos’, o que você destacaria como objetivos e prioridades sob o ponto de vista da pessoa com deficiência?
O primeiro aspecto que é importante frisar nessa perspectiva do Brasil que temos e o Brasil que queremos é entender qual é a realidade atual, vindo de uma pandemia e, sobretudo, de uma gestão desastrosa, que retrocedeu em diferentes áreas de tudo que é relacionado à garantia de direitos. As pessoas com deficiência não são uma ilha, tudo que há de retrocessos na sociedade acaba nos afetando direta ou indiretamente. Nesse sentido, é importante destacar também algumas perspectivas. Nos últimos tempos, com a precarização das relações de trabalho, idas e voltas do Ministério do Trabalho - que impactaram na fiscalização sobre a segurança de trabalhadores e no cumprimento da lei de cotas - e ameaças legislativas, como o Projeto de Lei 6159/19, aumentaram a insegurança de trabalhadores com e sem deficiência. Com isso, trabalhadores que sofreram acidentes, por exemplo, ficaram sem amparo e acabaram tendo impedimentos que podem culminar em vivências com deficiência. Outra questão foi o ataque ao estatuto do desarmamento, com flexibilização do acesso a armas. Muitas pessoas sobrevivem, mas acabam com impedimentos que também vão resultar mais à frente em vivência da deficiência. Além disso, tivemos falhas de planejamento na distribuição de medicamentos de alto custo e um ataque à farmácia popular. A falta de acesso a tratamentos adequados também pode resultar em deficiência, como no caso das doenças raras ou de diabetes, por exemplo, que é a principal causa de amputações. 
Portanto, temos uma produção da deficiência a partir das desigualdades. Ao mesmo tempo temos como consequência o aumento da vulnerabilidade econômica das famílias que tem ou passam a ter uma pessoa com deficiência. Ainda falando em prevenção da deficiência, destaco que a fome, a falta de alimento e a má nutrição prejudicam o desenvolvimento, o que pode gerar novas vivências de deficiência intelectual. 
As pessoas com deficiência foram totalmente ignoradas na gestão anterior e o que foi mais gritante foi o acesso à vacinação. Nós temos uma convenção que fala que, em momentos de crise, as pessoas com deficiência precisam ser reconhecidas como grupo prioritário, mas só conseguimos ser vacinados depois de muita mobilização. O descaso deixou evidente que as pessoas com deficiência são considerados corpos matáveis. 
O Brasil que temos é um Brasil que produz deficiências a partir das desigualdades e aí é preciso considerar perspectivas de gênero, raça e classe também. O racismo, misoginia e as desigualdades de classe empurram as pessoas para a vivência da deficiência, só que, quando essas acessam os serviços de saúde, são apagadas. Não temos dados fidedignos sobre as pessoas com deficiência dentro da saúde. Em quantas pessoas as sequelas da Covid-19 gerarão impedimentos que acabarão fazendo com que elas vivenciem a deficiência? Esse contexto faz com que as pessoas com deficiência sejam ainda mais vulnerabilizadas à violência, ao desemprego, à falta de acesso à saúde. Lembrando que, muitas pessoas precisam de tratamento para evitar o aumento dos seus impedimentos.
O Brasil que a gente quer é um Brasil que reconheça que tem aumentado as desigualdades e que aja para prevenir condições de adoecimento. É preciso reconhecer quem são as pessoas com deficiência dentro de uma perspectiva biopsicossocial, para entender quais são as políticas públicas necessárias em relação à saúde para essas pessoas. Quais são as questões de saúde que mais afetam as pessoas com deficiência? A gente não sabe…
Os últimos anos foram marcados pelo desmonte de políticas públicas, sucateamento de serviços, perdas e retrocessos nas lutas por direitos. Você acredita que há espaço, no momento atual, para avanços ou o foco deve ser apenas a retomada após o ‘atraso’?
Eu acredito que nós estamos nos organizando. Até o número de inscrições para a CLN e a mobilização feita pelas pessoas com deficiência para participar demonstram que nós estamos nos organizando politicamente. Por mais que entendamos questões de escolhas econômicas, que muitas vezes são controversas, é preciso ir além de apenas recuperar o que já tínhamos, pois sabemos que era muito pouco. Não vamos mais aceitar isso. 
Não existe democracia sem a participação das pessoas com deficiência e sem acesso a direitos fundamentais para todos os cidadãos e cidadãs. Além de só retomar o que tínhamos, precisamos ter um olhar crítico para reconhecer que era pouco e nos organizar para fazer as mudanças necessárias para os avanços que, com certeza, precisam ser feitos. É para que o lema “nada sobre nós sem nós” se efetive dentro do sistema de saúde.
Como você avalia o descaso com a Lei Brasileira de Inclusão, no que se refere à determinação de elaboração e regulamentação do Índice de funcionalidade brasileiro?
É importante reconhecer que a maior parte da população com deficiência é formada por mulheres, negros e pobres. Ou seja, pessoas que estruturalmente já são postas em desvantagens econômicas, políticas, etc. Nós temos determinado desde 2015, através da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que a avaliação da deficiência, quando necessária, deve ser biopsicossocial. Mas não conseguimos avançar nessa legislação. O descaso não é à toa, é justamente por sermos quem somos. Isso também é um convite para movimentos negros e feministas, por exemplo, entenderem que a deficiência se soma nessa luta.
Além disso, é confortável para a Saúde que ainda haja uma perspectiva biomédica e capacitista sobre os nossos corpos, para seguir resumindo a deficiência a um CID. Essa é uma forma de individualizar, de impedir que a deficiência seja colocada como uma vivência de opressão. O fato é que a deficiência não existe sem barreiras, e as barreiras são construídas socialmente. Não é o meu corpo ter um impedimento físico que me faz ter uma deficiência. Deficiência é uma mulher que não caminha não conseguir ocupar os espaços por haver barreiras à participação. O descaso é uma forma de o Estado se manter omisso às desigualdades e não pensar nos aspectos da nossa saúde de forma propositiva.

Eixo 2: ‘O papel do controle social e dos movimentos sociais para salvar vidas’, por Cinthya Pereira Freitas.

Qual é a importância de as próprias pessoas com deficiência participarem ativamente das discussões nesses espaços de decisão e de construção de políticas públicas?

Políticas públicas têm sucesso e garantia de êxito quando são baseadas no que o destinatário precisa. É necessário se basear em dados de realidade trazidos pelas pessoas que são alvo da política. Aí está a importância de usufruir desse espaço de participação social, para que as ações respondam e respeitem os anseios das pessoas. O que garante o sucesso do resultado de uma conferência é que ela seja efetivamente um espaço de participação ativa política e de protagonismo. 

A conferência de saúde é formada por usuários, gestores e profissionais de saúde. Ali, então, estaremos como usuários, mas queremos que os profissionais e os gestores estejam perto da gente. É um espaço de construção coletiva. Temos, então, a oportunidade de dialogar com quem faz as políticas públicas, porque não somos os gestores. Nós acompanhamos, fiscalizamos, sugerimos e participamos. E este não é um campo onde há adversários. É preciso que estejamos todos do mesmo lado.

Como você avalia, atualmente, a presença das pessoas com deficiência dentro dos diversos conselhos, do terceiro setor e outras esferas ligadas à saúde? Houve avanços? O que dá para melhorar?

A presença existe mas ainda não é suficiente nem muito bem aceita. No início da minha militância, há mais de 15 anos, havia a cultura da tutela. A pessoa com deficiência era tratada como uma pessoa doente, a quem faltava saúde. Havia a cultura do assistencialismo, e não do protagonismo. Mas o olhar da sociedade mudou muito. O SUS, com o princípio da participação social, foi fundamental.

Mas, atualmente, as pessoas com deficiência ainda enfrentam barreiras atitudinais quando demonstram desejo de participar de espaços nos conselhos de saúde por se depararem com alguma resistência no que se refere à escolha do fórum próprio para o debate das nossas pautas. Porém, as discussões dentro desses conselhos apontam o melhor caminho para o aprimoramento de políticas de saúde ligadas a esse público. 

Quando a pessoa com deficiência chega a um conselho de saúde, muitas vezes é tratada como se estivesse fora do lugar, não encontrando o acolhimento necessário. É como se estivesse discutindo no espaço errado, já que existe o conselho da pessoa com deficiência. Por se tratar de um tema transversal, esse tipo de debate na saúde só vai enriquecer a todos, pois os gestores terão a chance de saber como o serviço está sendo prestado, o que pode melhorar e qual a melhor forma de atender. É necessária essa escuta atenta. Se não estivermos lá, vamos falar com quem?

Dentro do eixo 2 ‘O papel do controle social e dos movimentos sociais para salvar vidas’, o que você destacaria como objetivos e prioridades sob o ponto de vista da pessoa com deficiência?

Os espaços de conselho carregam uma característica determinante quando falamos de saúde da pessoa com deficiência. Nesses espaços, ouvimos relatos, casos de violação de direitos, temos contato com pessoas que tiveram seu atendimento negado, casos de despreparo de profissionais de saúde e também sabemos em que unidades essas violações ocorreram, por exemplo. Essa narrativa está ligada à possibilidade de salvar vidas porque é assim que descobrimos onde está o foco do problema, para que a ação seja direcionada ao ponto correto, ao que põe nossas vidas em risco. E aí os problemas são encaminhados a quem é de direito, que é o poder público. 

Um bom exemplo prático do papel do controle social e dos movimentos sociais para salvar vidas foi o resultado da luta pela inclusão das pessoas com deficiência no atendimento prioritário no plano de imunização contra a Covid-19.

Eixo 3: ‘Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia’, por Sabrina Lage

Dentro do eixo 3, ‘Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia’, o que você destacaria como objetivos e prioridades sob o ponto de vista da pessoa com deficiência?

Combater a visão biomédica, quebrando o paradigma de que as pessoas com deficiência são dotadas de apenas limitações funcionais. São pessoas que devem ser olhadas sob a dimensão integrativa por meio da avaliação biopsicossocial, considerando as suas pluralidades e especificidades. É preciso considerar as pluralidades e especificidades das pessoas com deficiência, promover ações educativas e de conscientização com enfoque anticapacitista com vistas à eliminação das barreiras sociais e atitudinais no que tange às pessoas com deficiência. 

Além disso, também é fundamental implementar ações que garantam acesso à saúde, considerando as necessidades específicas das pessoas por meio de recursos de tecnologia assistiva e por pessoas qualificadas para prestar atendimento nos três níveis de atenção à saúde - língua de sinais brasileira, braile, leitor de tela, linguagem simples, legenda com descrição de áudio, etc

O SUS é uma conquista, mas não tem financiamento compatível com suas atribuições. As pessoas com maiores barreiras à participação, como as pessoas com deficiência, têm ainda mais intensamente seus direitos violados? 

Historicamente não havia plena participação das pessoas com deficiência nos espaços de políticas públicas, sobretudo no âmbito da saúde pública. Possivelmente por ainda não ter havido investimento em infraestrutura para a efetiva participação das pessoas com deficiência, como está sendo feito para essa conferência livre  de forma inédita! Além disso, diversos fatores ambientais e sociais contribuem como dificultadores por conta das diversas barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam e que impedem a autonomia nas atividades do dia a dia - que vai do deslocamento do domicílio ao uso do local, inclusive sanitário e refeitório. O acesso às informações não alcançam plenamente às pessoas com deficiência. 

A falta de oportunidade no mercado de trabalho também contribui para o agravamento da pobreza das pessoas com deficiência. Temos pouquíssimas pesquisas que visam mapear as vulnerabilidades das pessoas com deficiência, dificultando assim mecanismos de ações afirmativas políticas.

Porque garantir direitos e defender o SUS é também fundamental na luta das pessoas com deficiência?

O SUS é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988 e é universal para todas as pessoas, inclusive as com deficiência. A participação das pessoas com deficiência em prol da defesa do SUS é um dos mecanismos que garantem os direitos já previstos em lei. A participação social das pessoas com deficiência junto com o Estado deve ser articulada por meio da elaboração, implementação, execução e fiscalização que atendam às especificidades e pluralidades das mesmas.

 

Eixo 4: ‘Amanhã será outro dia para todos, todas e todes’, por Luciana Viegas

Para você, qual a relação entre o combate ao preconceito e a melhoria do cuidado à saúde da pessoa com deficiência?

Depende de qual preconceito estamos falando. Racismo, machismo, classismo e capacitismo são opressões estruturantes e não tiram nossa responsabilidade do processo de derrubada dessa estrutura. Somos agentes sociais do meio onde estamos inseridos. Todos somos seres políticos, pensando de forma política ou não. 

Quando se fala de um preconceito em relação à saúde da pessoa com deficiência, não dá para desvencilhar de um contexto, não dá para negar impactos de opressões estruturantes no que que pensamos na saúde da pessoa com deficiência. É preciso considerar esses fatores quando estamos pensando sobre como vamos construir o futuro. Temos que olhar para trás, ver como a sociedade se estruturou, baseada nessas opressões, e olhar para frente, e sempre com participação popular. 

E como a gente pensou em saúde até aqui? A ciência não é neutra, também foi embasada em estereótipos que precisam ser mudados. Dentro da comunidade autista, nós pensamos muito que o embasamento científico nem sempre é ético. Há evidências que foram encontradas sem ética e é preciso rever tudo isso. A ética no cuidado e na saúde, precisa acontecer de fato. Quando a gente fala na saúde da pessoa com deficiência, fala em acesso. Mas esse acesso entende o contexto social como um todo? Qual é o imaginário social e o do profissional de saúde sobre nós?

Na sua opinião, qual o tamanho do desafio para que os direitos que estão no papel sejam colocados em prática? 

Não entender o contexto das pessoas, que vivem em diferentes condições e com diferentes históricos, é o principal desafio da saúde no Brasil. Dentro disso, outro desafio é que os profissionais da saúde tenham o entendimento de que o meio, o social, tem impacto direto na saúde. A forma como a pessoa com deficiência se relaciona com o meio tem impactos diretos na saúde. 

Por exemplo: não existe um gene de agressividade da pessoa autista, mas muitos acreditam que agressividade pode ser característica do autismo. Só que a pessoa autista vai apenas refletir o que ela vive no ambiente dela. Se ela vive em local onde há violência, ela vai reproduzir. Outro exemplo é o seguinte: se o cadeirante não tem autonomia para sair de casa por não haver espaço acessível e inclusivo, isso impacta a saúde mental dessa pessoa. Não adianta passar um monte de remédio para ela, a causa está no meio. 

A avaliação psicossocial dá um norte, mas é um instrumento que pode cair num modelo biomédico se não for sempre considerado todo o contexto pelos profissionais de saúde. A gente não prestar atenção nos contextos é um erro muito trágico no processo. 

Como você se sente ao participar da primeira Conferência Livre Nacional da saúde da pessoa com deficiência?

É um evento importante e eu me interessei muito por fazer parte desse momento histórico. O mais interessante disso tudo é pensar a saúde das pessoas com deficiência a partir das pessoas com deficiência. Aquece o coração saber que lá estaremos tratando de uma forma séria, científica e com as próprias pessoas. Essa participação é fundamental. A troca entre a academia e a população minorizada me deixa muito feliz.

 

Por Barbara Souza / Ensp/Fiocruz 

 
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