Brasília,
02 de julho de 2008
Transferir
responsabilidade não
é solução
O
Sistema Único de Saúde
(SUS) foi pensado e construído
por profissionais e movimentos
populares da saúde para
funcionar em rede, descentralizado,
com atendimento desde um curativo
a cirurgias de alto custo, da
prevenção e controle
de endemias ao acompanhamento
porta a porta, em especial nas
regiões de difícil
acesso.
Mesmo
sendo referência internacional,
o SUS tem sofrido muitos ataques,
principalmente daqueles que
vêem na saúde pública
mais um nicho de negócio
lucrativo. É o caso do
estado de São Paulo que
há mais de 10 anos vem
transferindo a gestão
da saúde pública
para entidades privadas, inclusive
sem licitação,
cadastradas como Organizações
Sociais da Saúde (OSS),
em prejuízo dos usuários
que continuam em filas de espera
para atendimento, conseqüência
do sucateamento do setor público
e das restrições
do setor privado.
A
principal justificativa dos
que defendem a terceirização
é a agilidade na compra
de material e contratação
de pessoal, burlando o que chamam
de burocracia. Não entrando
no mérito da questão,
a legislação existe
para coibir o mau uso do dinheiro
público. Pode e deve
ser aperfeiçoada.
Também
se alega que com a terceirização
o custo diminui. Será?
Os
custos das OSS vêm crescendo
ano a ano, mostrando que o problema
não é o setor
público mas da gestão.
Os hospitais e serviços
gerenciados por OSS decidem
de forma independente o tipo
e o número de atendimento
prestado, ficando a população
à mercê da oferta
de vagas que essas entidades
disponibilizam.
Em
relatório da Comissão
de Acompanhamento das Organizações
Sociais em São Paulo
de 2003 já se apontava
a redução nos
atendimentos de urgência
e a lógica da gestão
privada – a manutenção
do equilíbrio financeiro.
Desde 2005 jornais destacam
a disparidade nos preços
de um mesmo medicamento comprado
pelas diversas OSS, chegando
a variar em até 64%.
Em
2007, virou manchete a crise
do INCOR. A Fundação
Zerbini, entidade privada que
administra o hospital, acumulou
uma dívida de R$ 246
milhões, colocando em
risco uma referência em
cardiologia, construído
e mantido com dinheiro público.
Como solução,
o governador José Serra
restringiu a atuação
da Fundação e
assumiu a dívida, ou
seja, dinheiro público
financiando a má gestão
privada.
Hoje,
a terceirização
vem sendo questionada também
na justiça.
A
terceirização
do Hospital Luzia de Pinho Melo,
de Mogi das Cruzes, é
um exemplo. O Ministério
Público do Trabalho ingressou
com uma ação civil
pública para anular o
processo. Entre as argumentações
estão violação
da Constituição,
que determina que nenhum servidor
pode ser contratado sem concurso
público; a quarteirização
de serviços para uma
entidade privada ligada à
OSS gestora; irregularidades
no pagamento de direitos trabalhistas.
Também
está sob investigação
o repasse de serviços
laboratoriais de unidades da
rede pública estadual
de saúde para a iniciativa
privada. A gestão dos
serviços está
sendo transferida para OSS que
por sua vez quarteiriza os exames
laboratoriais para empresas
privadas.
Um
dos tripés do Sistema
Único de Saúde
– o controle social –
não é respeitado
no estado. O Conselho Nacional
de Saúde se posicionou
contra as OSS e a terceirização
da saúde. Essa deliberação
também foi tomada pelo
Conselho Estadual de Saúde.
A participação
e a fiscalização
da sociedade na administração
pública garantem a boa
gestão. Mas precisa haver
transparência no uso desse
dinheiro. Isso não acontece
na gestão das OSS.
Podemos
alcançar uma saúde
pública com qualidade.
O SUS e suas várias instâncias
deliberativas estudam, debatem
e definem as diretrizes para
serem implementadas nos âmbitos
federal, estadual e municipal.
Hoje
o SUS funciona ao custo de R$
1,00 por pessoa e atende muita
gente. Se investirmos mais,
com certeza, chegaremos a uma
saúde pública
universal, integral e equânime
para todos, promovendo o desenvolvimento
sustentável do país
que todos almejam. Não
é necessário desmontar
a rede de saúde pública,
nem assistir epidemias e perdas
de vida.
Dos
hospitais que prestam serviços
ao SUS em São Paulo 68%
são privados. Portanto,
se a gestão privada funcionasse
melhor o atendimento hospitalar
não teria os problemas
que tem hoje. Tratar a saúde
como negócio é
ideológico e as vidas
perdidas é falência
na certa.
Francisco
Batista Junior, Presidente do
Conselho Nacional de Saúde.
Matéria
publicada na Folha de São
Paulo, em 28 de junho de 2008.
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