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Injustiça ambiental e racismo: A urgência de uma abordagem equitativa

  • Publicado: Sexta, 23 de Fevereiro de 2024, 17h29
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Estudos indicam que 277 doenças podem ser agravadas pelos riscos climáticos, impulsionados pelas emissões contínuas de gases de efeito estufa

A elaboração de um novo Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas está sendo discutida no Brasil e com um desafio imenso, enfrentar a injustiça e o racismo ambiental, que atingem principalmente pessoas negras e indígenas. O diagnóstico é claro: as desigualdades na saúde existem, mas são evitáveis, injustas e desnecessárias e se não forem enfrentadas com a lupa da igualdade, só irão agravar seus impactos sociais e aprofundar a vulnerabilidade no país, com riscos adicionais.

O tema foi discutido nesta quinta (22/03), durante a 351ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que abordou, entre outros pontos, impactos e agravos na saúde da população e estratégias de enfrentamento aos acidentes e desastres naturais na Atenção Primária.“Esse senso comum de que as mudanças climáticas atingem a todos de forma igual é uma falácia, por isso colocamos a questão da equidade etnico racial como tema central. Vai piorar a situação se não fizermos intervenções que não ajudem a reduzir esta vulnerabilidade que são riscos adicionais”, ressaltou Agnes Soares da Silva, diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador  (DSAST).

Segundo dados do Instituto Polis, em 2022, a população negra em Belém representava 64% no escopo geral, deste percentual  75% se encontram em  áreas suscetíveis a deslizamentos. Recife registra 55% da população negra, aumentando para 68% nas regiões de risco, enquanto em São Paulo, os números são de 37% e 55%, respectivamente. É preocupante notar que 60% das doenças de veiculação hídrica em Belém e Recife afetam a população negra, destacando a urgência de ações focalizadas para enfrentar essas disparidades socioambientais.

No Brasil, dos 5.570 municípios do país, alarmantes 3.679 apresentam baixa ou muito baixa capacidade adaptativa diante dos impactos climáticos. Embora a ameaça não paira sobre todas as cidades, é imperativo reconhecer e focalizar as populações mais vulneráveis. 

Ao abordar o racismo ambiental, Wdson Lyncon Correia de Oliveira, Coordenador de Participação e Controle Social de Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Povos de Terreiros do Ministério da Igualdade Racial, destaca a sua raiz basilar, remontando ao histórico navio negreiro. Ele enfatiza que o racismo ambiental não se trata apenas de uma questão política, mas é intrinsecamente estrutural, relacionado à falta de acesso à saúde, estrutura e sujeito à exploração e violência presentes nesse contexto inicial.

“Quando a gente fala de racismo ambiental, a gente não fala só sobre um racismo deslocado da política para a política do meio ambiente. A gente está falando de um racismo que é basilar e estrutural porque o primeiro ambiente onde a gente tem fundamentação do racismo, enquanto projeto político, é o navio negreiro. É o primeiro ambiente com falta de acesso à saúde, de acesso a estrutura, com uma condição de exploração da violência. Este ambiente é que constitui o primeiro lugar de racismo ambiental: todo navio negreiro que chegou no Brasil”, ressaltou Wdson Lyncon Correia de Oliveira.

Oliveira explora a distinção entre racismo ambiental e injustiça ambiental, ressaltando que ambos, embora diferentes, coexistem e são forjados pelos mesmos movimentos. Ele destaca a importância de ouvir as demandas das comunidades negras e quilombolas, contrariando a  invisibilidade dessas populações sob políticas de extermínio recentes. Ao mencionar justiça climática e ambiental, Oliveira destaca a relevância desses conceitos na promoção da justiça racial, especialmente para populações majoritariamente negras e indígenas impactadas pelas mudanças climáticas. 

A justiça climática desempenha um papel crucial na preservação dos territórios e na manutenção do patrimônio genético também foi destacado, bem como a importância da agroecologia como um campo que fortalece a segurança alimentar, promovendo uma agricultura sustentável e de baixo carbono para alcançar a justiça climática. 

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Altas temperaturas e a saúde 

O aumento das temperaturas no Brasil tem desencadeado uma série de preocupações relacionadas à saúde pública, agravando problemas já existentes, como a escassez de água, contaminação química e a gestão inadequada do lixo. A crescente tendência de elevação das temperaturas e a ocorrência mais frequente de ondas de calor têm se manifestado de forma alarmante. No segundo semestre de 2023, algumas cidades brasileiras registraram temperaturas até 5°C acima da média. Comparando os períodos de 1901 a 1990 e de 2011 a 2020, o aumento do número de dias com ondas de calor é notável, passando de 7 para 52 dias. 

O impacto das alterações climáticas na saúde é evidenciado por números alarmantes. Estudos indicam que 277 doenças podem ser agravadas pelos riscos climáticos, impulsionados pelas emissões contínuas de gases de efeito estufa. Essa preocupação ganha maior relevância ao considerarmos que 58% de todas as doenças infecciosas estão relacionadas a esses fatores ambientais. 

Capilaridade do SUS é uma peça estratégica de enfrentamento

Diante do desafio crítico que as mudanças climáticas representam para a saúde da população, torna-se crucial a implementação de políticas públicas e ações coordenadas. Nesse contexto, a capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS) emerge como um fator relevante para enfrentar esses desafios. Com 42 mil unidades básicas e 44 mil equipes de saúde da família que atendem a uma expressiva parcela de 123 milhões de pessoas, e ainda 1.229 equipes de Atenção Básica, o SUS possui a infraestrutura necessária para desempenhar um papel fundamental na mitigação e adaptação aos riscos ambientais.

A capilaridade do SUS não apenas oferece a vantagem de conhecer de perto os problemas, mas também possibilita uma intervenção real e contextualizada. A distribuição dessas unidades no SUS reflete a diversidade do território brasileiro, e cada uma delas precisa compreender as particularidades de seu próprio contexto para agir de maneira eficaz. Reconhecer e adaptar-se a essas diferenças é um passo crucial para construir respostas eficientes e eficazes diante dos desafios iminentes à saúde pública.

Conflitos ambientais e impactos na Saúde

O coordenador Geral de Atenção às Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde , Gáudio Salgado, destacou os impactos dos conflitos ambientais na saúde. Com mais de 637 conflitos registrados, a Amazônia Legal sozinha soma mais de 700 casos mapeados. “Esses conflitos não são apenas números, mas representam vulnerabilidades socioambientais, revelando situações de tensão vividas por grupos populacionais afetados por processos. Na perspectiva desses grupos, tais ações evidenciam rupturas nos sistemas sociais, econômicos e nos territórios onde residem.”

Salgado enfatizou a urgência de expandir a estratégia de saúde da família, apontando para a necessidade de investimento no território. Entre 2023 e 2024, prevê-se um aumento significativo, de R$ 27 bilhões para R$ 37 bilhões. Essa ampliação não é apenas financeira, mas parte de uma transformação socioambiental voltada para a construção de um modelo de sociedade mais justa e ecológica. Ao finalizar, ressaltou a importância de repensar a abordagem da saúde em meio aos conflitos ambientais, visando não apenas a mitigação dos impactos na saúde, mas também a construção de um ambiente mais equitativo e sustentável.

Nas rotinas das Atenções Primárias à Saúde (APS), ele defendeu uma abordagem integrada, centrada em redes comunitárias. Além do cuidado individual, destaca-se a formação de especialistas de campo e a integração de programas de ressonância médica multiprofissional, por meio da educação permanente. A abordagem amplia-se para incluir habitabilidade, combate à fome e enfrentamento à violência. O programa Saúde na Escola integra a promoção da saúde desde cedo no ambiente educacional. Essa sinergia otimiza práticas nas APS, contribuindo para a construção de comunidades mais saudáveis e resilientes.

Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas

O Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas é urgente. O último, datado de 2016 e fundamentado em dados de 2013, não teve impactos reais, já que a falta de execução das recomendações propostas na época ressalta uma lacuna crítica na abordagem do país para enfrentar os impactos das mudanças climáticas.

São 16 temas setoriais em pauta e um Comitê Interministerial nesse processo. O GT Saúde, com prazo até junho para entrega e consulta,formulação de medidas que abordem especificamente as implicações das mudanças climáticas na saúde da população, com ações concretas que assegurem um futuro mais saudável e sustentável para o país.

Quer saber mais sobre o tema?

Durante as discussões na RO alguns autores foram citados entre eles Benjamin Chaves Jr e Dr. Robert Bullard, que cunharam os termos da Justiça ambiental e racismo.

Dicas de leitura 

Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho

por Malcom Ferdinand e Rodrigo Bueno

Quarto de despejo

Maria Carolina de Jesus

Ascom CNS

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