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RECOMENDAÇÃO Nº 021, DE 07 DE DEZEMBRO DE 2023.

 

Recomenda veto presidencial ao Projeto de Lei 1479/2022 e medidas que apontem para a importância do banimento do uso de agrotóxicos.

 

O Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Trecentésima Quadragésima Nona Reunião Ordinária, realizada nos dias 06 e 07 de dezembro de 2023, ocorrida na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) e no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006, e cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e 

Considerando que a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu Art. 196, que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”;

Considerando que a Constituição Federal, em seu Art. 225, estabelece o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo, essencial à qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, incumbindo ao Poder Público, para assegurar a efetividade desse direito, dentre outras obrigações, a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” (Art. 225, §1º, inciso V);

Considerando o conjunto de diretrizes e propostas aprovadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde, publicadas na Resolução CNS nº 719, de 17 de agosto de 2023, que expressam a preocupação da população brasileira com a necessidade de: (a) criação de políticas públicas e campanhas que desestimulem o uso de agrotóxicos em face da contaminação da água, do solo e do ar; (b) ampliação da Vigilância em Saúde de Populações Expostas aos Agrotóxicos (VSPEA), da Vigilância em Saúde Ambiental e da Vigilância em Saúde do Trabalhador; com a incorporação de indicadores de contaminação na construção de metodologias territoriais e participativas no monitoramento da vigilância popular em Saúde; (c) garantia de saúde e segurança alimentar para o conjunto da população brasileira; (d) financiamento de estudos epidemiológicos sobre impacto dos agrotóxicos por órgãos não vinculados à agroindústria; (e) proibição das práticas nocivas de pulverização aérea; (f) fomento público para a cadeia produtiva de biofertilizantes, entre outras;

Considerando que as pesquisas apontam que os agrotóxicos são responsáveis diretos por cerca de 200.000 mortes a cada ano, a maioria dessas mortes em países periféricos, vulneráveis e com sistemas reguladores e de saúde fracos no sentido da proteção da saúde frente às exposições a tais substâncias perigosas, categoria a qual estaremos ainda mais enquadrados diante da aprovação do Projeto de Lei 1479/2022, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e a rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e das embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de pesticidas, de produtos de controle ambiental e afins.

Considerando as evidências científicas em relação aos riscos que os agrotóxicos oferecem à população e ao meio ambiente, presentes no estudo intitulado “Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde (2015)”;

Considerando o estudo realizado nos EUA (Donley et al, 2022), que revela que as disparidades nas exposições e danos dos pesticidas são generalizadas, impactando especialmente as pessoas negras e indígenas e as comunidades de baixa renda em ambientes rurais e urbanos e ocorrendo durante todo o ciclo de vida do pesticida, desde a produção até o uso final, disparidades  perpetuadas por leis e regulamentos atuais por meio de 1) dois pesos e duas medidas de segurança de pesticidas, 2) proteções inadequadas dos trabalhadores e 3) exportação de pesticidas perigosos para países em desenvolvimento;

Considerando o exposto na Nota Técnica publicada pela Abrasco (2023) intitulada “Agrotóxicos, exposição humana, dano à saúde reprodutiva e vigilância da saúde”, destacando que o Brasil consome a maior quantidade de agrotóxicos do mundo por hectare plantado, com um crescimento de 45,1% no período de 2013 a 2021, sendo que enquanto o consumo mundial de agrotóxicos no mundo, em 2020, foi de 2.661.124 toneladas, cerca de ¼ do consumo dos agrotóxicos deste total foram utilizados somente no território brasileiro;

Considerando os riscos dos agrotóxicos com uso autorizado no cultivo da soja: (a) carcinogênicos, ou seja, com potencial de causarem câncer; (b) de desregulação endócrina, interferindo na produção, secreção, transporte, ligação, ação ou eliminação de hormônios, substâncias responsáveis por funções como desenvolvimento, reprodução, funcionamento do metabolismo e comportamento dos organismos; (c) de toxicidade ambiental, devido ao alto potencial de acumulação em ambientes terrestres e aquáticos, proporcionando exposições por longos períodos, afetando seres humanos e animais terrestres e aquáticos;

Considerando os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde de mulheres e meninas ao afetar a saúde reprodutiva não só relativa à fertilidade, à gestação, ao feto e às crianças por exposição direta, mas também por causar danos transgeracionais e danos citogenéticos que podem ser transmitidos hereditariamente, por meio de agravos que vão desde a infertilidade masculina e feminina; a todas as alterações hormonais; às pré-concepcionais, afetando os gametas masculinos e femininos; às alterações na fecundação, na embriogênese, no desenvolvimento fetal, na produção de mutações, resultando no baixo peso ao nascer, na prematuridade, em malformação congênita, baixo Apgar (indicador de vitalidade do recém-nascido), além de distúrbios no desenvolvimento pós nascimento, câncer infanto-juvenil, câncer no aparelho reprodutor, na tireoide e no cérebro de adultos, entre outros males, expressando uma violação aos direitos à saúde reprodutiva;

Considerando que, nas áreas de maior intensidade de uso de agrotóxicos, essas substâncias são identificadas no leite materno e no cordão umbilical, afetando precocemente a saúde do feto e das crianças, inclusive gerando a puberdade precoce em crianças pequenas;

Considerando que, além das mudanças no sistema endócrino provocadas pelos agrotóxicos, estas substâncias causam danos nos órgãos e tecidos no período pré-natal, fetal e neonatal com efeitos graves sobre a saúde das crianças, seu uso repercute negativamente também no crescimento e desenvolvimento de adolescentes, podendo provocar puberdade precoce, e efeitos indiretos nas mulheres, como a infertilidade, câncer de ovários, de tireóides e de mama;

Considerando que o Brasil se encontra em situação de “colonialismo químico”, como denuncia a pesquisadora Larissa Bombardi (2023), uma vez que substâncias tóxicas produzidas na Europa e nos Estados Unidos da América, inclusive com características bélicas, ainda hoje são utilizadas sem preocupação com danos causados aos trabalhadores, aos consumidores de alimentos e de águas contaminadas por resíduos de agrotóxicos e à biodiversidade, comprometendo a vida no planeta (Abrasco, 2023);

Considerando que o Brasil utiliza 195 agrotóxicos proibidos na União Europeia, cujos países produtores continuam produzindo e exportando para outros, demonstrando que a produção do agronegócio no Brasil utiliza princípios ultrapassados, recebendo-os sem restrições, embora, com a transferência de várias empresas fabricantes para o Brasil, o país tenderia a ter o mesmo comportamento dos países europeus, sendo exportador de situações de risco para outros países ainda mais pobres (Abrasco, 2023).

Considerando que os níveis de resíduos de agrotóxicos permitidos em água no Brasil são superiores muitas vezes aos valores máximos permitidos (VMPs) em países da União Europeia, situação agravada com o fato de que o Brasil avalia somente os valores isoladamente dos resíduos presentes em uma amostra, sem considerar a quantidade de substâncias ali presentes, na União Europeia, em caso de exposição a misturas, os diferentes agentes presentes em uma amostra são analisados, posto que podem interagir entre si, somando ou potencializando seus efeitos tóxicos;

Considerando que o bioma do Cerrado, composto pelas duas maiores extensões alagadas do planeta, tem sido desmatado para dar lugar a monocultivos, sobretudo, de soja, com ampla utilização de agrotóxicos, que resultam na contaminação das águas;

Considerando a luta das comunidades cerradeiras na defesa das águas, em defesa do Cerrado para a segurança hídrica de todo o país;

Considerando que a área de cultivo de soja no país é maior que a extensão territorial de toda a Alemanha, em grandes latifúndios que não cultivam comida, mas commodities, em monoculturas com grande dependência do uso de transgênicos e agrotóxicos, afetando a biodiversidade e a cultura alimentar brasileira;

Considerando que, em razão do domínio da monocultura, o Brasil precisa importar feijão, cujo cultivo tem sido reduzido em função da expansão do plantio de soja, comprometendo as condições de vida, ambientais e a segurança alimentar do país;

Considerando que as campanhas midiáticas visando a construção de uma imagem positiva do agronegócio no país, acabam por blindar a opinião pública dos impactos negativos gerados pela sua ação predadora;

Considerando os estudos que indicam que 70% da produção agrícola brasileira importada por países europeus possui algum tipo de resíduo de agrotóxico e que 8% têm produtos proibidos na Europa ou em quantidades superiores às permitidas no continente, condição esta que dificulta o acordo Mercosul-União Europeia, tendo em vista o impacto ambiental e as violações nos direitos humanos que ocorrem com a utilização descontrolada e em larga escala desses produtos;

Considerando que quatro empresas, a Bayer e a Basf, ambas alemãs, a estadunidense Dupont e a chinesa ChemChina controlam 70% da comercialização de agrotóxicos em todo o mundo;

Considerando a afirmação divulgada em nota pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida diante da aprovação do Projeto de Lei 1479/2022 de que “o Brasil chegará à COP28 com péssimas credenciais”; 

Considerando a Recomendação nº 009, de 20 de julho de 2023, destinada ao Congresso Nacional, sinalizando medidas contrárias aos agrotóxicos e de mitigação dos seus impactos na saúde, como: I - Não aprovar o PL nº 1.459/2022, também conhecido como “PL do Veneno”, que visa a flexibilizar ainda mais o uso de agrotóxicos no país e, caso aprovado, declarar a sua inconstitucionalidade; II - Banir os agrotóxicos vetados em outros países, principalmente aqueles proibidos nos países de origem das empresas produtoras; e III - Proibir a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o território nacional, tendo como parâmetro a Lei do Estado do Ceará nº 16.820/2019;

Considerando que o Conselho Nacional de Saúde está atento às demandas em torno do tema, emitindo diversas manifestações ao Congresso Nacional, tais como a Recomendação CNS nº 049/2019, pela aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, Projeto de Lei nº 6.670/2016, que não foi, até o momento, submetido à votação, e a Recomendação CNS nº 005/2021, pela aprovação do Projeto de Lei nº 880/2021, de autoria do Senador Jaques Wagner (PT/BA), que institui a Política Nacional de Promoção da Alimentação e dos Produtos da Sociobiodiversidade de Povos e Comunidades, em tramitação, incidindo também sobre a temática da taxação de produtos nocivos à saúde, tais como os agrotóxicos, o álcool, tabaco e alimentos ultraprocessados.

Recomenda

 

Ao Excelentíssimo Sr. Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva:

I – Que vete o Projeto de Lei 1479/2022, aprovado no Senado Federal no dia 28 de novembro de 2023, com especial atenção ao que diz respeito ao papel da Anvisa no processo regulatório e aos critérios proibitivos para registro de agrotóxicos; e

II – Tendo em vista a sua projeção internacional, representando o Brasil pela paz e em defesa da vida e do meio ambiente, que atue como Embaixador pelo banimento do uso de agrotóxicos no planeta, interrompendo o ciclo mundial de envenenamento.

Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Trecentésima Quadragésima Nona Reunião Ordinária, realizada nos dias 06 e 07 de dezembro de 2023.

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