RECOMENDAÇÃO Nº 066, DE 13 DE OUTUBRO DE 2020
Recomenda ações que visam a garantia do acesso à educação inclusiva de todas as pessoas, sem segregação, e medidas contrárias ao Decreto n° 10.502/2020.
O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento Interno do CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e
Considerando que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196 prevê que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”;
Considerando que a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, disciplina, em seu Art. 3º, que “Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”;
Considerando a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, em decorrência da Doença por Coronavírus – COVID-19 (decorrente do SARS-CoV-2, novo Coronavírus);
Considerando a Portaria nº 188, de 03 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde, que declara Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), conforme Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011, em decorrência da Doença por Coronavírus – COVID-19 (decorrente do SARS-CoV-2, novo Coronavírus);
Considerando as Recomendações do Conselho Nacional de Saúde n° 19/2020 e 31/2020 que, por meio de sua Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde das Pessoas com Deficiência (CIASPD/CNS), recomenda medidas que visam a garantia dos direitos e da proteção social de pessoas com deficiência e seus familiares;
Considerando o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990);
Considerando a Declaração Mundial de Educação (1990), assinada por 150 países, incluindo o Brasil, que adotou como princípio básico o direito de toda pessoa à educação, bem como a importância de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem;
Considerando os artigos 3º e 6º, da Declaração Mundial de Educação, que defendem a “universalização do acesso à educação e promoção da equidade” e que “a escola deve proporcionar um ambiente adequado para a aprendizagem e não o aluno que deve se adequar a ela”;
Considerando tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário, como a Declaração de Salamanca (1994), a Convenção da Guatemala (1999) e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2009), que abordam, respectivamente, que todas as pessoas tem direito ao acesso à educação, sem distinção, com aprimoramento dos sistemas de ensino para que se tornem ambientes inclusivos; com vistas a eliminar as discriminações contra as pessoas com deficiência, extingue o termo “especial” para diferenciações nas escolas baseadas nas deficiências; e, que para efetivar o direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;
Considerando que até meados dos anos 2000, pessoas com deficiência eram isoladas em suas casas, muitas eram encaminhadas a hospitais psiquiátricos, ou estavam em escolas ditas “especiais”, e só podiam ser matriculadas em turmas ditas “comuns” quando fossem consideradas “prontas” a acompanharem seus colegas nas atividades em explícita postura de exclusão e invisibilização pelo Estado, com graves e negativas repercussões para toda a sociedade brasileira;
Considerando a Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002, que legitima a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como língua nacional e língua materna de toda pessoa surda, regulamentada pelo Decreto n° 5.626, de 22 de dezembro de 2005;
Considerando a Lei n° 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista;
Considerando a Lei Brasileira da Inclusão - LBI (Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015), em especial seu artigo 4° §1º, que define “discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas”;
Considerando o objetivo 3 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades e o objetivo 4 de assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, que em sua meta 4.3 traz como um dos indicadores a percentagem de alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento matriculados em classes comuns na rede regular de ensino;
Considerando o Comentário Geral n° 7 emitido pelo ONU (2018) sobre as pessoas com deficiência, que sustenta sua participação em todas as questões que dizem respeito a elas (“nada sobre nós sem nós”);
Considerando a Carta Convocação do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED-Unicamp), o posicionamento da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Rede-In), da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID), do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Nota Manifesto da Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais (ABRATO);
Considerando as diretrizes e moções aprovadas na 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª + 8), publicadas por meio da Resolução CNS nº 617, de 23 de agosto de 2019;
Considerando que o Decreto n° 10.502, de 30 de setembro de 2020, traz em seu escopo o risco de retrocessos na política de inclusão de pessoas com deficiência nos espaços escolares regulares, por meio do estímulo à criação de espaços segregados ditos "especializados", com a justificativa de autonomia da família em decidir pelo serviço que teoricamente melhor atenda à questão, desconsiderando que a Política Nacional de Educação Especial requer apoio, investimento e intersetorialidade, principalmente da União, e se refere ao direito fundamental do acesso à educação de pessoas com deficiência;
Considerando os debates ocorridos sobre essa matéria na Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde das Pessoas com Deficiência do Conselho Nacional de Saúde (CIASPD/CNS); e
Considerando as atribuições conferidas ao presidente do Conselho Nacional de Saúde pela Resolução CNS nº 407, de 12 de setembro de 2008, Art. 13, Inciso VI, que lhe possibilita decidir, ad referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Pleno em reunião subsequente.
Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde:
Ao Presidente da Câmara de Deputados:
Que, nos limites de suas competências legais e regimentais, coloque em regime de urgência a votação dos Projetos de Decreto Legislativo - PDL 427/2020, 429/2020, 430/2020, 431/2020, 433/2020, 434/2020, 435/2020, 426/2020, para sustação da aplicação do Decreto n° 10.502, de 30 de setembro de 2020.
Às Entidades e Movimentos Nacionais de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência:
Que, pelas razões e legislações expostas nesta recomendação, ingressem com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em face do Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao Supremo Tribunal Federal (STF):
Que acolha a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 751, de 05 de outubro de 2020, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade.
Ao Ministério da Educação (MEC):
Que apoie tecnicamente e disponibilize recursos para infraestrutura e educação permanente de profissionais no Distrito Federal, Estados e Municípios, assim também das ações de monitoramento, acompanhamento e discussão junto à sociedade, sobretudo, com os movimentos e as entidades das pessoas com deficiência e suas famílias, acerca do cumprimento de diretrizes e metas de inclusão de todas as pessoas na educação.
Ao Ministério Público (Federal e Estaduais) e à Defensoria Pública (da União e Estaduais):
Que acompanhem o cumprimento da garantia constitucional do direito ao acesso à educação, com inclusão de todas as pessoas, sem segregação, especialmente no que se refere à obrigatoriedade da União em prestar apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino de Estados, Municípios e do Distrito Federal.
FERNANDO ZASSO PIGATTO
Presidente do Conselho Nacional de Saúde
Redes Sociais