RECOMENDAÇÃO Nº 073, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2020
Recomenda ao Ministério da Saúde a ampliação do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 para toda a população brasileira.
O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento Interno do CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e
Considerando a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, em decorrência da Doença por Coronavírus – Covid-19 (decorrente do SARS-CoV2, novo Coronavírus);
Considerando a Portaria nº 188, de 03 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde, que declara Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), conforme Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011, em decorrência da Doença por Coronavírus – Covid-19 (decorrente do SARS-CoV- 2, novo Coronavírus);
Considerando a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que estabelece as medidas para o enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional decorrente da Doença por Coronavírus – Covid-19 (decorrente do SARS-CoV-2, novo Coronavírus), visando à proteção da coletividade;
Considerando que, até o final da tarde do dia 19 de dezembro de 2020, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) sobre a pandemia do novo coronavírus no Brasil, o país já possui 7.200.708 casos confirmados e 186.205 mortes pela Covid-19, sendo que somente nas últimas 24 horas, foram incluídos mais 37.730 contaminados e 555 falecimentos pela doença e a taxa de letalidade em todo o território nacional neste momento permanece em 2,6%;
Considerando que a vacinação, além de ser a melhor evidência para que seja conferida a proteção necessária com possibilidades de alcançar a endemicidade ou a interrupção da circulação do SARS-coV-2 no território nacional, é um direito de qualquer indivíduo;
Considerando que o CNS, por meio da Recomendação nº 067, de 03 de novembro de 2020, destacou a importância da adoção de medidas nacionais que garantam o acesso às vacinas, tendo em vista o avanço nas pesquisas relacionadas às vacinas contra a Covid-19 em todo o mundo, por meio da aquisição e incorporação ao Programa Nacional de Imunização de todos os produtos que tenham comprovação de eficácia e segurança e que possam atender a complexidade logística do território nacional, as condições para transporte e armazenamento de vacinas e as especificidades dos vários grupos populacionais;
Considerando a Recomendação CNS nº 059, de 03 de setembro de 2020, que aponta para a necessidade de o Ministério da Saúde realizar campanha junto à população sobre a importância da vacinação como uma intervenção preventiva capaz de reduzir a morbimortalidade de doenças imunopreveníveis;
Considerando que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em 17 de dezembro de 2020, em julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a Covid-19, e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, em que se discute o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas, decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, e, embora não possa fazer a imunização à força, aos que se recusem a vacinação, o Estado pode impor as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola);
Considerando que a “Campanha Vacina para Todos e Todas”, organizada por entidades e movimentos sociais, incluído o CNS, para pressionar parlamentares a aprovarem o Projeto de Lei (PL) nº 1.462/2020, que garante o acesso universal à vacina contra a Covid-19 no Brasil, ao melhorar e simplificar o dispositivo legal da Licença Compulsória, a exemplo de outros países, permitindo que o Brasil tenha acesso rápido às respostas mais efetivas contra a pandemia, protegido de preços exorbitantes e descabidos das grandes corporações, em especial da indústria farmacêutica;
Considerando a Petição Pública “O SUS merece mais em 2021!”, na qual o CNS reivindica, tanto que seja contemplado para o Ministério da Saúde um piso emergencial de R$ 35 bilhões no PLDO 2021, quanto a revogação da EC 95/2016, medidas consideradas essenciais para que o SUS seja fortalecido no enfrentamento a pandemia da Covid-19;
Considerando a Recomendação nº 071, de 11 de dezembro de 2020, por meio da qual o CNS recomenda ao Exmo. Sr. Presidente da República a adoção de medidas corretivas urgentes que promovam a execução orçamentária e financeira do Ministério da Saúde com a celeridade requerida pela situação de emergência sanitária causada pela pandemia do Covid-19 no Brasil;
Considerando o documento “Modelo de valores do SAGE OMS para alocação e priorização de vacinação contra a Covid-19”, de 14 de setembro de 2020, que fornece orientações globais para alocação de vacinas contra a Covid-19 entre os países, e orientações nacionais de priorização de grupos para vacinação dentro dos países em caso de oferta limitada, articula o objetivo geral do desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 e estabelece seis princípios fundamentais, que devem orientar a alocação, e doze objetivos que especificam em mais detalhes esses seis princípios;
Considerando que estudos identificam determinadas condições ou comorbidades que elevam o risco para o desenvolvimento de formas graves da doença e para o óbito decorrente da Covid-19, tais como: idade superior a 60 anos; diabetes mellitus; doença pulmonar obstrutiva crônica; doença renal; doenças cardiovasculares e cerebrovasculares; hipertensão; indivíduos transplantados de órgãos sólidos; anemia falciforme; câncer; obesidade grave (IMC≥40);
Considerando que, para além das condições clínicas, os impactos da pandemia não iguais para todas as pessoas e grupos sociais presentes na sociedade brasileira e que existe uma parcela significativa da população na qual este impacto é mais agressivo: a) Populações submetidas à vulnerabilidade socioeconômica - condições precárias de moradia; falta de acesso à água e saneamento básico; falta de acesso ou acesso precário ao sistema de saúde e a leitos de tratamento intensivo; b) Populações que têm suas formas de organização política, social e de sobrevivência peculiares - quilombolas, indígenas (aldeados, urbanos e acampados), ribeirinhas; população dos campos, águas, florestas, povos ciganos e população em situação de rua; c) pessoas com deficiência; d) pessoas privadas de liberdade; e) jovens em medidas socioeducativas; f) pessoas inseridas em comunidades terapêuticas; g) pessoas em atendimento nos espaços de saúde mental;
Considerando que pessoas vivendo com HIV e Aids, pessoas com Hepatites Virais e HTLV, pessoas com doenças auto-imunes (Lúpus/doenças reumáticas/esclerose múltipla/etc.), ou pessoas imunossuprimidas (Pessoas Transplantadas) precisam ter, previamente à vacinação, a avaliação do seu sistema imunológico por meio da realização de exame de Contagem de Linfócitos CD4;
Considerando que um plano nacional de imunização contra a Covid-19 deve ser estratégico, ou seja, deve contemplar todas as diretrizes, estratégias e ações de curto, médio e longo prazos para que a imunização atinja toda a população brasileira;
Considerando o “Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19", 1ª edição, de 17 de dezembro de 2020, elaborado pelo Ministério da Saúde;
Considerando que o referido plano apresenta que o “objetivo principal da vacinação passa a ser focado na redução da morbidade e mortalidade pela Covid-19, de forma que existe a necessidade de se estabelecer grupos prioritários para a vacinação” assim definidos: “trabalhadores da área da saúde (incluindo profissionais da saúde, profissionais de apoio, cuidadores de idosos, entre outros), pessoas de 60 anos ou mais institucionalizadas, população idosa (60 anos ou mais), indígena aldeado em terras demarcadas, comunidades tradicionais ribeirinhas e quilombolas, população em situação de rua, morbidades (Diabetes mellitus; hipertensão arterial grave (difícil controle ou com lesão de órgão alvo); doença pulmonar obstrutiva crônica; doença renal; doenças cardiovasculares e cerebrovasculares; indivíduos transplantados de órgão sólido; anemia falciforme; câncer; obesidade grau III), trabalhadores da educação, pessoas com deficiência permanente severa, membros das forças de segurança e salvamento, funcionários do sistema de privação de liberdade, trabalhadores do transporte coletivo, transportadores rodoviários de carga, população privada de liberdade”;
Considerando o Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e seu Protocolo Facultativo, que traz em seu Art. 11 que “os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar a proteção e a segurança das pessoas com deficiência que se encontrarem em situações de risco, inclusive situações de conflito armado, emergências humanitárias e ocorrência de desastres naturais”;
Considerando que a Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), traz em seu Art. 9º que “A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário”;
Considerando que a Recomendação nº 19, de 06 de abril de 2020, do Conselho Nacional de Saúde, sugere a adoção de medidas que visam a garantia de direitos e da proteção social das pessoas com deficiência e de seus familiares;
Considerando a Recomendação nº 31, de 30 de abril de 2020, do Conselho Nacional de Saúde que reconhece que pessoas com deficiência podem ter maior risco de contrair a Covid-19 em razão de obstáculos à implementação de medidas básicas de contenção da doença; e
Considerando as atribuições conferidas ao Presidente do Conselho Nacional de Saúde pela Resolução CNS no 407, de 12 de setembro de 2008, Art.13, Inciso VI, que lhe possibilita decidir, ad referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Pleno em reunião subsequente.
Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde
Ao Ministério da Saúde:
1) Exercer o seu papel de Coordenador-Geral das atividades de combate à Covid-19, em especial neste momento, com o gerenciamento e harmonização das condutas científicas e técnicas que levem a obtenção de vacina, com qualidade, eficácia, segurança e em número adequado para toda a população brasileira, de modo gratuito e oportuno.
2) Garantir que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária exerça as suas funções de forma absolutamente independente de interferências de cunho político-partidário, prezando pelo caráter técnico que historicamente orientou a atuação da instituição no registro de medicamentos e vacinas.
3) Incorporar em sua estratégia de imunização, por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e da rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), todas as vacinas que se mostrarem eficazes e seguras para proteção da população contra a Covid-19, principalmente aquelas cujos laboratórios reúnam condições de produção e oferta de doses para que seja possível uma cobertura adequada no menor tempo possível.
4) Ampliar o “Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19”, 1ª edição, de 17 de dezembro de 2020 no sentido de que seja apresentado à sociedade brasileira um plano de caráter estratégico para a imunização contra a Covid-19, contemplando as diretrizes, estratégias e ações de curto, médio e longo prazos para que a imunização, por meio da administração de vacina, atinja toda a população e confira a proteção necessária com possibilidades de alcançar a endemicidade ou a interrupção da circulação do SARS-coV-2 no território nacional, mesmo que a estratégia tenha que ser escalonada por grupos prioritários.
5) Ampliar a lista de grupos prioritários na vacinação contra a Covid-19, incorporando:
- a) População indígena não aldeada que vive nas cidades e em acampamentos próximos às cidades;
- b) População dos campos, águas e florestas;
- c) Povos ciganos;
- d) Pessoas com deficiência, não somente com deficiência permanente severa;
- e) Cuidadores/as de pessoas com deficiência;
- f) Jovens em medidas socioeducativas;
- g) Pessoas inseridas em comunidades terapêuticas;
- h) Pessoas em atendimento nos espaços de saúde mental; e
- i) Populações submetidas à vulnerabilidade socioeconômica - condições precárias de moradia; falta de acesso à água e saneamento básico; falta de acesso ou acesso precário ao sistema de saúde e a leitos de tratamento intensivo.
6) Articular as medidas necessárias para que as pessoas vivendo com HIV e Aids; pessoas com Hepatites Virais e HTLV; pessoas com doenças auto-imunes (Lúpus/doenças reumáticas/esclerose múltipla/etc.), ou pessoas imunossuprimidas (Pessoas Transplantadas) tenham acesso oportuno à avaliação do seu sistema imunológico por meio da realização de exame de Contagem de Linfócitos CD4 antes de se vacinarem;
7) Viabilizar, de forma imediata, a estratégia de comunicação prevista do “Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19”, com o adendo de que essa estratégia deve reforçar junto à população:
- a) O caráter obrigatório da vacinação, o que garante que o Estado Brasileiro viabilize a vacina para toda a população;
- b) Que vacinar-se é um ato solidário;
- c) Que sejam mantidas as medidas preventivas (uso de máscaras, lavagem das mãos, distanciamento social e não aglomerações) por parte de toda a população, mesmo as pessoas vacinadas; e
- d) Que, embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais para que haja a preservação da vida humana;
8) Não incluir nenhum tipo de exigência de assinatura de um termo de responsabilidade individual para as pessoas que se submeterem à vacinação contra a Covid-19, uma vez que inexiste qualquer justificativa técnica e científica para que seja transferida para a população uma responsabilidade que cabe: I) Ao Estado Brasileiro, por meio da avaliação a ser feita pela Anvisa, quanto à eficácia e segurança da vacina e II) À empresa produtora, que deve garantir a sua qualidade.
FERNANDO ZASSO PIGATTO
Presidente do Conselho Nacional de Saúde
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